Ao contrário da linha adotada pelo governo Lula, de reduzir a quantidade de armas em circulação, o Exército emitiu autorização para que policiais, bombeiros militares, servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência possam ter até cinco fuzis para uso pessoal. Ao todo, cada um desses servidores poderá possuir até seis armas de fogo.
O País tem cerca de 406,3 mil policiais militares e 55 mil bombeiros militares na ativa, segundo os dados mais recentes. A nova regra para armas de uso restrito para uso próprio de policiais é mais permissiva até mesmo que as normas que vigoraram antes e durante o governo de Jair Bolsonaro.
Até agora, os militares estaduais podiam comprar duas armas de uso restrito para ter em casa. Com a nova diretriz, que começa a vigorar a partir de 1º de fevereiro, poderão ter até cinco.
Especialistas ouvidos pelo ICL Notícias criticaram duramente a decisão do Exército. Coronel da reserva da PM de São Paulo, ex-secretário nacional de Segurança Pública e membro do Conselho da Escola de Segurança Multidimensional da USP, José Vicente da Silva Filho classificou a medida como uma “aberração” que acontece “nas barbas do Lula”.
“Quem gostou foram as facções e milícias que têm policiais na folha de pagamentos”, observa José Vicente. “Para quê um policial precisa de tanta arma? E bombeiro? Aliás não tem dinheiro para comprá-las. Cinco pistolas restritas (entre $7 e $10 mil cada) custam um ano de salário de um soldado da PM ou quatro meses de um tenente. Se comprar todas as munições (600 cada arma), seriam 3 mil a $7 a $10 cada; mais uns $25 mil (seis salários). Em que galáxia habita essas autoridades (porque na via láctea não cabe)?”
O especialista cita um dos principais riscos que essa decisão do Exército representa para a população. “Policiais corruptos ‘vazarem’ essas armas a criminosos que as financiaram. Além dos riscos normais de quem tem muitas armas: perdas, furtos, roubos, acidentes domésticos, etc.”, relaciona ele. “Entrei na PM há 61 anos, não consigo imaginar porque alguém precisa ter tanta arma. Pode até gostar, mas precisar não precisa”.
Sobre o que levou o Exército a tomar essa medida, José Vicente não sabe explicar: “Minha imaginação tem limites elásticos mas não consegue alcançar os motivos”.
Antropólogo, consultor de Polícia e Segurança Pública, professor, ex-Chefe do Estado Maior Geral da PM do Rio, Robson Rodrigues é outro que faz sérias objeções à liberalidade com que o Exército tratou o tema.
“É uma contradição entre o que o Ministério da Justiça falava, na voz do Flávio Dino, e o que o Exército faz agora. O ministro disse que ia reduzir o número de armas em circulação e liberar de forma controlada apenas para o Exército ou para a Polícia Federal”, destaca Rodrigues.
Além dessa contradição no discurso político, o especialista acredita que a decisão não se sustenta pelo ponto de vista técnico.
“Essa arma é muito específica, feita para ser usada em determinadas situações de alto risco. Não é indicada para uso urbano, e sim para proteção de uma guarnição, de uma equipe tática, em situações altamente sensíveis. Um fuzil já é uma arma muito acima da média para uso pessoal. Cinco fuzis, então…”, critica.
Rodrigues ressalta que vários policiais têm problemas patrimoniais e levanta a hipótese de que esse armamento restrito possa ser vendido em momento de dificuldade, assim como alguém endividado vende um carro.
“Um fuzil tem um preço alto no mercado. Inclusive no mercado paralelo. Vamos tratar daqueles que agem com maldade e já compram o armamento com essa intenção (de repassar ao mercado negro). A corregedoria não tem braços suficientes para controlar. Já tem problemas em demasia que não consegue resolver, e aí teremos mais esse”.
Além do tráfico e da milícia, que expandiram o mercado paralelo de armas, o antropólogo e ex-policial cita as empresas de segurança.
O Exército também autorizou que os policiais comprem até 600 munições por arma a cada ano. A autorização é semelhante às definidas pelo Exército para os homens da própria corporação, que também podem comprar seis armas, sendo cinco de uso restrito.
Gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, especialista em regulamentos sobre o armamento civil, analisou a decisão em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo.
“Há claramente um afrouxamento, com aumento de número de armas restritas de duas para cinco e um critério de joules (medida de energia) que parece ter sido feito sob medida para contemplar o fuzil brasileiro mais vendido na era Bolsonaro”, afirmou Langeani.
A medida foi bastante criticada nas redes sociais, com muitos internautas lembrando que esse afrouxamento pode ajudar a aumentar os arsenais tanto do tráfico quanto da milícia. Outros especulam sobre o risco de que essa medida facilita a tentativa de um eventual golpe de Estado, como a que ocorreu em 8 de janeiro.
Procurado pelo Estadão e pelo jornal Correio Braziliense, o Ministério da Defesa não deu explicações sobre o assunto.
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