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Chico Alves

Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

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O sacerdote humano

Bem antes de assumir o lugar de sacerdote de minha comunidade de matriz africana, sempre ficava em dúvidas se era aquilo que eu queria.
23/02/2024 | 19h49

Bem antes de assumir o lugar de sacerdote de minha comunidade de matriz africana, sempre ficava em dúvida se era aquilo que eu queria.

Mesmo que antes já soubesse que teria que assumir tal responsabilidade,pois sempre fui preparado por minha mãe e comunidade, este seria o meu legado e função.

Observava atentamente os procedimentos da liderança, seus cuidados com a espiritualidade e religiosidade, bem como com o trato com as pessoas e suas relações com os rituais a serem desenvolvidos.

Era uma gama de informações que eu não achava que fosse dar conta.

As questões específicas da comunidade, conflitos, cuidados de todas as formas, sejam espirituais e de acolhimento, muita sabedoria para lidar com as vidas que estavam sendo confiadas à minha pessoa, que teria que orientar e liderar.

Ciências e saberes fruto de séculos de pertencimento e vivências ancestrais que se apresentavam a mim.

Muitas vezes eu me perguntava: “Quando vai sobrar tempo para o Adailton pessoa?”

Este é o imbroglio. A interpretação que eu estava fazendo era antagônica a esta cosmopercepção que vivenciava. Eu lia pela ótica da instituição religião, e não pela ótica e ética de outra forma de ver, escutar e sentir o que me ensinavam sobre a pessoa negra dentro de sua cultura e cosmopercepção vivenciada.

Não era religião no conceito dogmático eurocidental das religiões judaico cristãs, eu não precisava abrir mão do Adailton EU. Tudo que eu vinha sendo formado e firmado éramos NÓS. Era o saber comunitário não somente feito de magia, mas uma magia outra, a magia do cuidado, a magia que se passa de um pra outro, sem negar a minha individualidade coletiva.

O Adailton era diverso, era sacerdote, era homem, era cientista social, era homossexual, ativista de Direitos humanos.

Eu não estava segmentado por ser sacerdote, dividido em pedaços que se apresentavam em situações especificas, um negando o  outro.

Eu compreendi e passei a escutar mais, e deixei de ouvir, pois ouvir é somente decorar. Escutar é trazer pra si, deixar que seus sentidos absorvam e apreendam os chamados que vem de além-mar.

Este sacerdote não cuida somente dos que pertencem ao seu povo, ele é a liderança que cuida do bem viver de tudo e de todos, que irá refletir nele, neste que é parte deste todo constitutivo, neste ambiente saudável de pessoas humanas e não humanas.

Escutei que ser sacerdote em minha tradição de matriz africana, antes de tudo, é não representar um sacerdote em modelos e normas que não são as nossas maneiras.

É preciso se desvencilhar das armadilhas religiosas totais e autoritárias que nos desnudam do humano que somos. É preciso voltar à nossa magia negra, a que subverte as ordens tirânicas, que usam da tradição para subjugação, e usam da hierarquia como sinônimo de tirania.

E que ser de tradição de matriz africana, é lutar por nossas diversas identidades e matrizes, ter a política negra em nossas bocas, ensinar os nossos a escutarem mais e ouvirem menos para não sermos marionetes das colônias contemporâneas e suas armadilhas mercantis capitalistas.

Depois que passei a escutar ao invés de ouvir, descobri que sou um sacerdote humano, Adailton, sem amarras, sem grilhões, sem mordaça, sem correntes.

As correntes que hoje carrego são feitas de elos forte que somos nós!

Sou um sacerdote de matriz africana, e não é um fardo. É o sentido lato de estar sentado em um trono de meu legado ancestral que é humano, que eu pude escutar.

Monumento a Zumbi dos Palmares

Unbuntu!

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