Por Chico Alves
Apesar do tom mais cuidadoso e de evitar críticas contundentes ao Judiciário, para não piorar a situação nos inquéritos abertos contra si, Jair Bolsonaro acabou se complicando no discurso que fez ontem, na avenida Paulista. Quatro juristas ouvidos pelo portal ICL Notícias avaliam que quando falou sobre a minuta que determinava a implantação de estado de exceção no Brasil, o ex-presidente admitiu que cogitou dar um golpe de Estado.
“O que é golpe? É tanque na rua, é arma, é conspiração. É trazer classes políticas para o seu lado, empresariais. Isso que é golpe. Nada disso foi feito no Brasil”, bradou Bolsonaro à multidão na Paulista, associando o documento a um “decreto de estado de defesa” que só poderia ser posto em prática se aprovado no Congresso.
“Golpe, usando a Constituição? Tenham a santa paciência. Deixo claro que estado de sítio começa com o presidente da República convocando os conselhos da República e da defesa. Isso foi feito? […] Não foi convocado ninguém dos conselhos da República e da Defesa para se tramar ou para se botar no papel a proposta do decreto de estado de sítio”, detalhou.
Para o jurista Pedro Serrano, essa fala tem um elemento complicador para Bolsonaro porque ele reconhece que participou da autoria do tal do documento, que seria o decreto do golpe.
“Aqui no Brasil, na época da ditadura militar, tivemos os atos institucionais. Então não é incomum golpes de Estado ocorrerem através de atos do Executivo, de atos de exceção com fundamento aparente na Constituição”, destaca Serrano. “Na realidade, trata-se de tentar usar da Constituição contra a própria Constituição. Os americanos chamam isso de constitucionalismo abusivo”.
O jurista lembra que nesse caso o delito previsto é o de tentativa e não de consumar o golpe. “Então, aquilo que em outra circunstância seria uma mera cogitação ou planejamento para um crime de execução, já é comprometedor para um crime de tentativa. O início da execução de uma tentativa de golpe é, em alguns casos, começar a cogitar e elaborar minutas e decretos. Isso é um indício que pode ser usado contra ele, na minha opinião”.
O advogado Marco Aurélio de Carvalho, criador do grupo Prerrogativas, entende que Bolsonaro admitiu o crime. “Ele se complicou, confessou os delitos que cometeu contra o Estado de Direito, contra a Constituição e contra as instituições de um modo geral. Não há a menor dúvida”, afirma.
“Isso mostra quais eram as reais intenções dele. Só haveria uma única circunstância para que Bolsonaro decretasse estado de sítio e estado de defesa, circunstância prevista pelo texto constitucional que não estava presente no caso. Então, ele assumir essa possibilidade mostra que não estava bem intencionado. Mas ele sempre vai poder dizer que fez uma análise e que ao final percebeu que as condições não estavam presentes. Enfim, ele vai poder se defender”.
Também o jurista Lenio Streck concorda que a fala do ex-presidente foi comprometedora. “Minuta de estado de defesa nas circunstâncias em que Bolsonaro se movimentava — já tendo perdido a eleição — é explícita tentativa de golpe. E dizer isso publicamente deixa claro o crime”, avalia.
“Há uma sutileza: decretar estado de defesa sem motivação constitucional já faz parte de tentativa de golpe. Confessar isso é fatal”, acredita Lenio.
Na opinião do advogado Fernando Fernandes, a minuta foi parte de uma estratégia maior. “Na verdade, não está se falando de uma simples minuta de estado de sítio ou defesa, mas de parte de um plano que cita os institutos constitucionais sem respeitá-los, para os fins de mudar o resultado eleitoral e permitir uma intervenção militar”, explica.
“Isso não se desdobrou por circunstâncias alheias à vontade dele: a bomba no caminhão não explodiu, a maioria dos militares não aderiu e depois da posse o governo Lula não caiu na armadilha da GLO. Houve uma real tentativa complexa de criação de caos, que acabou não se efetivando. Bolsonaro somente confirmou categoricamente a sua participação e ciência”, diz Fernando Fernandes.
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