Além das implicações para os inquéritos em que Jair Bolsonaro é investigado, em especial naquele no qual é acusado de planejar um golpe de Estado, a manifestação realizada pelo ex-presidente e seus aliados na avenida Paulista deve ter também repercussões políticas. O cientista político Claudio Couto e o sociólogo Jessé Souza foram ouvidos pelo ICL Notícias para avaliar qual saldo Bolsonaro leva do ato de domingo, que, segundo levantamento da USP, reuniu 185 mil pessoas. Nenhum dos dois prevê grandes mudanças.
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Claudio Couto (cientista político)
Eu acho que foi um saldo neutro. Bolsonaro conseguiu levar um número bem grande de pessoas, as imagens aéreas deixam isso mais claro. Teve um público grande, acho que ninguém esperava que fosse diferente. O estranho seria depois de toda essa convocação se tivesse pouca gente. Enfim, acho que foi bem-sucedido desse ponto de vista.
Agora, não vai mudar um milímetro sequer do curso do processo no Judiciário. Ninguém vai deixar de fazer o que já está fazendo, o que já se planejou do ponto de vista da investigação, por causa dessa reunião de bolsonaristas na Paulista. Também serviu pra agrupar os seus e para mostrar que ainda tem base de sustentação na sociedade. Claro que isso é importante também pra ativar essas pessoas para o processo eleitoral vindouro.
Acho que foi também o teste de fidelidade do Bolsonaro. Ele conseguiu levar ali os seus agregados, governadores, deputados, mas, sobretudo, o governador de São Paulo. E também e o prefeito de São Paulo, que foi lá. Testou se esse pessoal era realmente fiel ou não.
Conseguiu mostrar que essas pessoas são devedoras dele, eles têm que lhe prestar ainda vassalagem, porque, afinal de contas, ainda tem esse grupo todo que ele arregimenta na sociedade, que é significativo. Pode contar com eles para os projetos eleitorais futuros. Seja daqui a dois anos e meio, seja nesse ano ainda.
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Jessé Souza (doutor em sociologia, pós-doutor em filosofia e psicanálise, colunista do ICL Notícias)
Por um lado, é um ato de desespero, obviamente. Ele tenta mudar do nível jurídico para o nível político. Mas sai um pouco das cordas. Ou seja, ele consegue mostrar que ainda tem um apoio importante, que é o verdadeiro chefe da extrema-direita. Eu acho que isso aí ele conseguiu, é inegável.
Ao mesmo tempo, a situação dele é muito complicada, porque está enrolado com o golpe e a maior parte da população sabe que o golpe veio dele. Então é uma situação também muito frágil, o cerco está sendo montado. Ele está vendo o trabalho que está sendo feito e pode levá-lo à prisão e a não mais poder ter acesso a cargo público.
Agora, o que este ato mostra é que, mesmo que seja o nome de outra pessoa, ele vai estar atuante. Tem ainda muita força, para esse público evangélico ele é o único líder, atua nesse setor popular com essa mistura de religião e política.
Enfim, eu acho que foi algo que o tira das cordas momentaneamente, dá uma lufada de ar para que ele possa respirar mais e possa ter acesso ao Parlamento, se quiser tentar alguma ação. Embora eu ache que isso esteja destinado ao fracasso, porque já foi pego no contrapé e vai ser muito difícil de mudar o curso desse trem que está indo na direção da sua condenação.
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