O jejum é um exercício espiritual possível ao cristianismo, islamismo, judaísmo, budismo, hinduísmo e religiões afro-brasileiras. Os sentidos evocados são distintos, mas a prática é conhecida por essas tradições religiosas e mesmo pelos sem religião. Ainda que sem uma pesquisa exaustiva, quero cogitar algumas ideias genéricas.
No Sermão do Monte, Jesus ensinou sobre exercícios espirituais, entre os quais, o Jejum: Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto (Mateus 6.17). Os católicos são incentivados ao jejum por ocasião da Quaresma. As tradições protestantes deixam à consciência do indivíduo a experiência.
No mês do Ramadã, os mulçumanos observam o jejum de uma forma muito especial: desde o nascer até o pôr do sol. É prescrição do Alcorão. Trata-se de um dos cinco pilares do Islamismo. Portanto, o jejum é um assunto muito sério para esta expressão religiosa. Tempo de purificação.
Para os judeus, o Dia do Perdão (Yom Kippur) é dia de jejum. Mas, aos dez deste mês sétimo, será o Dia da Expiação; tereis santa convocação e afligireis a vossa alma; trareis oferta queimada ao SENHOR (Levítico 23.27). Nesse caso, a prática do jejum em ocasiões específicas vai além dos sentidos religiosos, prospecta tradições que conferem pertencimento cultural.
Os budistas fazem do jejum uma prática frequente de reflexão sobre os excessos da vida. A mensagem é que se pode viver com pouco. A purificação física e mental através do jejum depura os sentidos e proporciona o encontro consigo mesmo. O desapego como filosofia de vida.
Mahatma (grande alma) Gandhi foi um convicto adepto do jejum. O líder hindu na sua luta pacífica pela libertação da Índia encontrava na meditação e, na prática do jejum, exercícios integrados que proporcionavam equilíbrio da mente e do corpo.
No Candomblé e na Umbanda, enquanto expressões sincréticas, o jejum pode ser integrado aos seus rituais. Diferente das tradições religiosas em que as cerimônias estão catalogadas nos seus livros sagrados, nas religiões afro-brasileiras, que cultivam a tradição oral, o jejum figura como possibilidade para o devoto conectar os orixás e suas entidades espirituais.
Para além dos registros dos grupos religiosos e das espiritualidades autônomas no âmbito das experiências pessoais, que visam conectar o sagrado, o jejum é considerado também tanto pela medicina oriental quanto pela ocidental enquanto possibilidade de promoção da saúde. Nesses casos, o praticante não transcende em busca do sagrado, mas visa o imanente.
Qual a minha perspectiva pessoal?
Importante esclarecer que não estou propondo relações comparativas que desembocam em disputas. Para afirmamos a nossa identidade não precisamos ser excludentes e desmerecer as demais. Da minha perspectiva cristã, lendo a Bíblia no profeta Isaías, o jejum genuíno não é um sacrifício, mas uma oferta. Experiência de despojamento.
Há quem pratique o jejum querendo transcender e destravar os sentidos para conectar com o divino. Há quem jejua em busca de si mesmo, abstinência de alimento para desintoxicar a mente e o corpo a fim de encontrar-se. E por fim, a terceira dimensão, quem jejua para aguçar a sensibilidade que promove a arte do encontro entre pessoas. Nesse terceiro aspecto, a mística e a ética são indissociáveis. O jejum destrava o egoísmo e exorciza o hedonismo de feição religiosa exclusivista.
Qual o jejum aceitável?
Antes de buscarmos respostas no texto (Isaías 58) é interessante contextualizar que o povo hebreu estava retornando para restaurar as cidades arruinadas. O grande inimigo a ser vencido era o egoísmo. A ruína seria certa se todos corressem para reconstruir as suas próprias casas e se fechassem para as necessidades coletivas. O jejum seria manipulado para constranger e demarcar poder.
Contudo, fica o registro da resposta profética aos devotos da teologia do domínio que adaptam mecanismos de barganha para “obrigar” a Deus os abençoar e satisfazer as suas gulas, taras e ambições individualistas.
O jejum aceitável não é a abstenção de pão, mas sim a promoção da justiça (Is 58.6).
O jejum aceitável não é a abstenção de arroz e feijão, mas sim execução de perdão de dívidas (Is 58.6).
O jejum aceitável não é a abstenção de carne, mas sim a partilha de vida (Is 58.7).
O jejum aceitável não é a dieta zero, mas sim o oferecimento de abrigo para os desabrigados (Is 58.7).
O jejum aceitável não é introversão radical, mas sim a fraternidade plena na reconstrução (Is 58.7).
Por que jejuamos nós, e tu não atentas para isso?
O jejum baseado no egoísmo resulta em nada. Deus não se deixa impressionar por coreografias.
Logo após ensinar a Oração do Pai-Nosso (Mateus 6), em que afirma que o pão é nosso, Jesus fez uma advertência que me soa assim: Quando jejuardes, não o façam como os hipócritas religiosos que querem chamar atenção para a plateia formada por devotos. Simples assim, lava o rosto, arruma o cabelo e não constranja ninguém com a sua aparência de sacrifício. Vai viver com fome e sede por Justiça porque você será recompensado.
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