Por Catia Seabra — Folhapress
A decisão do presidente Lula (PT) de proibir eventos alusivos ao golpe de 1964, no dia 31 de março, foi fonte de mal-estar entre o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o ex-presidente do PT Rui Falcão (SP), durante comemoração do aniversário do ex-ministro José Dirceu.
Ao chegar à festa na noite de quarta-feira (14), em uma casa em área nobre de Brasília, Falcão foi convidado por Múcio a se aproximar do grupo em que o ministro da Defesa estava.
Após os cumprimentos formais, Falcão disse discordar da decisão de Lula de vetar qualquer ato alusivo aos 60 anos do golpe, afirmando que “a gente não pode apagar a memória”. Do contrário, prosseguiu o deputado, a história se repetirá, como nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Em resposta, Múcio afirmou que sua tarefa a pedido de Lula era evitar manifestações de militares, que costumam celebrar o golpe. “Não há o que se comemorar. A gente precisa investir em pacificação”, repetiu o ministro.
Lula: nada de críticas
A determinação de Lula também vetou eventos de caráter crítico aos militares, o que irritou entidades de defesa dos direitos humanos.
Na conversa, Falcão ainda relatou ter sido indagado por Lula sobre sua opinião a respeito do ministro. O deputado contou ter respondido que Múcio é educado, mas que o considera representante dos militares no governo em vez de representar o governo junto aos militares.
Projeto para PM
Falcão também sugeriu que Múcio apoiasse o projeto, de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que proíbe atividade política de militar da ativa e transfere para a reserva ocupantes de cargos públicos.
Segundo Falcão, “quem tem monopólio legítimo da violência não pode participar de disputa política”.
Múcio argumentou que não seria um dispositivo legal que impediria um golpe, se essa fosse a intenção dos militares.
Falcão então respondeu que esse é um argumento de bolsonaristas para minimizar o peso da minuta golpista encontrada em investigações da Polícia Federal. Trata-se de um documento que contém medidas que seriam adotadas para impedir a posse de Lula.
Falcão e Múcio combinaram de se encontrar futuramente para uma conversa. Em tom de brincadeira, o deputado disse que o ministro pagaria esse almoço.
A decisão de Lula de proibir atos alusivos ao golpe, revelada pela coluna Painel, da Folha, levou o Ministério dos Direitos Humanos, comandado por Silvio Almeida, a cancelar uma solenidade marcada para 1º de abril.
De acordo com pessoas próximas a Almeida, o evento organizado pela pasta ocorreria no Museu da República, em Brasília, e estava previsto um discurso do ministro. A cerimônia exaltaria a luta de militantes e perseguidos pelo regime de exceção comandado pelos militares.
Auxiliares do ministros dizem que agendas paralelas à data do golpe, como reuniões ordinárias da Comissão de Anistia para julgamento de processos, devem ser mantidas.
Segundo o próprio Múcio relatou a Falcão, coube a ele evitar a realização de manifestações oficiais por iniciativa de militares da ativa.
Ditadura: tortura, mortes e corpos desaparecidos
O regime militar (1964–1985) teve uma estrutura dedicada a tortura, mortes e desaparecimento.
Os números da repressão são pouco precisos, uma vez que a ditadura nunca reconheceu esses episódios. Auditorias da Justiça Militar receberam 6.000 denúncias de tortura. Estimativas feitas depois apontam para 20 mil casos.
Presos relataram terem sido pendurados em paus de arara, submetidos a choques elétricos, estrangulamento, tentativas de afogamento, golpes com palmatória, socos, pontapés e outras agressões. Em alguns casos, a sessão de tortura levava à morte.
Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade listou 191 mortos e o desaparecimento de 210 pessoas. Outros 33 desaparecidos tiveram seus corpos localizados posteriormente, num total de 434 pessoas.
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