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Cotas: 10 mil vagas no país não foram destinadas a negros por fraudes, diz estudo

Pesquisa identificou mecanismos usados para burlar lei que completa 10 anos
22/03/2024 | 05h00

Por Gabriel Gomes*

Um estudo revela que a Lei de Cotas Raciais, que completa uma década este ano, não foi implementada por instituições federais de ensino do Brasil, que criaram diversos mecanismos para burlar a legislação.

De acordo com o levantamento, das 46.300 vagas abertas em concursos públicos analisados na última década, 9.996 não foram reservadas e nem preenchidas por candidatos negros, como deveriam conforme a lei 12.990/2014.

A pesquisa “A implementação da Lei nº 12.990/2014: um cenário devastador de fraudes” foi realizada pelos pesquisadores Ana Luisa Araujo de Oliveira e Edmilson Santos dos Santos, ambos da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), e por Alisson Gomes dos Santos (Ipea e Neri-Insper).

Os pesquisadores analisaram 61 instituições, sendo 56 no segmento de instituição federal de ensino (IFE) e cinco instituições de segmentos diversos. Ao todo, foram analisados cerca de 10 mil editais de processos de seleção, publicados no período de 10 de junho de 2014 a 31 de dezembro de 2022.

“O que identificamos é que o Brasil perdeu uma chance de, no serviço público, encontrar-se com o Brasil. As burlas materializam, com bastante precisão, o peso e a força do racismo estrutural e institucional”, resume a pesquisadora Ana Luisa Araujo de Oliveira.

9.996 vagas não reservadas pela Lei de Cotas

9.996 vagas deixaram de ser destinadas a pessoas negras, em descumprimento à lei sancionada por Dilma Rousseff. Foto: Marcelo Casal Jr./ Agência Brasil

Os dados levantados pelo estudo revelam que caso a Lei de Cotas (Lei nº 12.990/2014) fosse devidamente aplicada, 3.947 pessoas negras poderiam ter ingressado no serviço público federal nos concursos públicos.

Nos processos seletivos simplificados, 5.182 pessoas negras poderiam ter tido igual resultado. Ao todo, 9.996 vagas deixaram de ser destinadas a pessoas negras, em descumprimento à lei sancionada pela então presidente Dilma Rousseff (PT).

Mecanismos de burla

O estudo identificou seis tipos de mecanismos utilizados para burlar a Lei de Cotas Raciais. No principal deles, o fracionamento, as vagas para o mesmo cargo eram distribuídas em mais de um edital, impedindo assim que o edital tivesse o mínimo necessário para a aplicação da legislação.

Outra prática era a destinação das vagas das cotas apenas para uma área de conhecimento em um mesmo concurso, escolhida a partir de um sorteio. Esse mecanismo aconteceu nos editais da Universidade Federal do Sergipe (UFS), por exemplo.

Impacto Financeiro

O estudo também mensurou o impacto financeiro que a utilização desses mecanismos de burla causaram ao longo desse período, da realização dos concursos e processos seletivos até hoje.

O cálculo considera a quantidade de vaga que deveria ter sido reservada e os salários associados para essas vagas, mensurando mensalmente e o acumulado para todo o período a partir da vigência da possível contratação.

Segundo a pesquisa, mais de R$ 3,5 bilhões (R$ 3.570.289.280,40) deixaram de ser pagos a profissionais negros que seriam contratados. Desses, cerca de R$ 3,1 bilhões em concursos públicos e R$ 406 milhões em processos seletivos simplificados.

“O silêncio do Estado brasileiro diante de uma flagrante retirada de direitos da população negra, principalmente por parte das instituições de ensino, especialmente as universidades federais, onde muitos de nós fizemos nossa graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado, resume de forma precisa nossa indignação com o racismo estrutural e institucional. De onde esperávamos luz, veio a escuridão”, conclui a pesquisa.

Dia Internacional de luta pela eliminação da Discriminação Racial

Em 21 de março celebra-se o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. Foto: Reprodução

Neste dia 21 de março celebra-se o Dia Internacional Pela Eliminação da Discriminação Racial. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas em 1966 em memória do massacre de Shapeville, em Johanesburgo, África do Sul — em 1960, o exército do apartheid atirou contra uma multidão de manifestantes, num ato pacífico, matando 69 pessoas e ferindo 186.

Vinte e nove anos depois, foi instituída no Brasil a Lei 7.716, que decreta como crime qualquer ação resultante de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Somente no dia 21 de março de 2023 o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei 14.519/23, que estabelece o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, a ser comemorado todos os anos nesta data. Injúria Racial também passou a ser considerada crime de racismo na ocasião.

No Brasil, os casos de racismo cresceram muito nos últimos anos. Entre 2018 e 2023, houve um aumento de cerca de 31% nos casos. Além disso, é a população negra a maior vítima de homicídios, representando 77,9% dos casos. A maioria das vítimas é jovem, tem entre 12 e 29 anos, e pertence ao sexo masculino.

*Gabriel Gomes é estagiário, sob supervisão de Caio Barretto Briso

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