A CPMI do 8 de janeiro se aproxima de um desfecho melancólico, com um modesto 1 x 0 para os governistas porque, ao menos, conseguiram impedir que prevalecesse a fraude cognitiva da oposição sobre os atos terroristas. De acordo com os delírios fabricados pela extrema direita, o governo teria se omitido na repressão aos golpistas que depredaram as sedes dos três poderes para tirar proveito político do caso.
A CPMI também cumpriu um papel didático ao manter o tema do golpismo na pauta da opinião pública, expondo, em algum grau, personagens com papel relevante na sequência de episódios que culminaram na explosão do terror em Brasília. Mas isso é pouco, muito pouco, quando se sabe da extensão e profundidade da participação de militares – por ação ou omissão – na tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
A comissão não conseguiu avançar além da investigação já em curso, a cargo da Polícia Federal, no inquérito que corre no STF, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Aliviou para Braga Neto; sujeitou-se ao silêncio afrontoso de Mauro Cid, o faz-tudo de Bolsonaro; engoliu, sem nenhuma reprimenda, os palavrões de Augusto Heleno ofensivos à relatora Eliziane Gama (PSD-MA). Não convocou o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, para esclarecer informações da delação de Mauro Cid à Polícia Federal.
Alguns lembrarão que a CPMI também não convocou Bolsonaro para depor. Neste caso, considero que foi um acerto. O inelegível não perderia a chance de espalhar mentiras, fake news e negacionismo, como sempre faz quando abre a boca. Faltou ainda esclarecer a participação dos chamados “kids pretos” (militares treinados em operações de guerra irregular) no 8 de janeiro. E ainda elucidar a autoria das tais “minutas golpistas”.
Como já mencionado, Mauro Cid abusou do direito ao silêncio na CPI, mas mostrou-se bastante loquaz na delação, revelando uma reunião do ex-chefe com os comandantes militares, no Palácio da Alvorada, após o segundo turno. No encontro clandestino (sem registro nas agendas oficiais), Bolsonaro os consultou se o apoiariam numa tentativa de golpe de Estado. Segundo Cid, Garnier teria recebido a proposta golpista com entusiasmo.
O presidente da CPMI, Arthur Maia (União-BA) foi peça-chave para a frustração das apurações. Em agosto, exatamente quando a comissão parecia avançar, Maia teve uma reunião no QG do Exército com o comandante da força, general Tomás Paiva, e o ministro da Defesa, José Múcio. A simples ida de dois políticos civis ao QG para conversas com um general demonstra deferência e subalternidade indevidas e fora de lugar numa democracia.
Acabou prevalecendo na CPMI a conciliação no pior sentido, esse costume bem conhecido na política brasileira de contornar conflitos em vez de enfrentá-los. Para a sociedade, fica a percepção de que a comissão cedeu às pressões da atual cúpula das Forças Armadas para evitar depoimentos mais sensíveis, que poderiam provocar ainda mais desgaste para a imagem dos fardados. O fato é que os militares continuam fazendo política, têm influência demais sobre os poderes civis, conseguem arrancar concessões demais. E isso é péssimo para a democracia.
O papel de uma CPMI não é apenas investigar. Os parlamentares deveriam apresentar ideias, formular propostas e projetos para aprimorar leis e fortalecer a democracia. No caso do evidente golpismo em setores das Forças Armadas, é necessário acabar de vez com o delírio de que teriam algum poder moderador ou papel de tutela sobre os poderes civis da República.
Que Forças Armadas o Brasil precisa? Como mandá-los definitivamente de volta para os quartéis? Seria o caso de mudar o artigo 142 da Constituição? Há espaço político para isso? Como ficam as academias militares e a formação dos oficiais? A CPMI desperdiçou uma oportunidade preciosa de avançar neste debate decisivo para a democracia no Brasil.
A você que chegou até aqui, será um prazer compartilhar este espaço de reflexão dentro da visão do ICL de promover o jornalismo democrático e progressista. Até o nosso próximo encontro.
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