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Xico Sá

Escritor e jornalista, faz parte da equipe de apresentadores do ICL Notícias. Com passagem por diversas redações e emissoras de tv, ganhou os prêmios Esso, Folha, Abril e Comunique-se. Participou de programas como Notícias MTV, Cartão Verde (Cultura), Redação Sportv, Papo de Segunda (GNT) e Amor & Sexo (Globo). É autor de Big Jato (Companhia das Letras) e A Falta (Planeta), entre outros livros. O colunista nasceu no Crato, na região do Cariri cearense, e iniciou sua trajetória profissional no Recife.

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Brás Cubas, o playboy herdeiro, explica o Brasil

Machado de Assis, quem diria, bombou no TikTok com um livro genial que ajuda a entender a questão de classe no país
22/05/2024 | 16h31

A influenciadora e escritora Courtney Novak teve um encanto radical por Machado de Assis ao ler “Memórias póstumas de Brás Cubas”, uma obra de 1880.  O vídeo que ela fez nos EUA correu o mundo, fez Machadão vender como nunca (na Amazon) e tirou o complexo de vira-lata da literatura brasileira.

O livro narrado pelo defunto-autor é uma gozação irônica do começo ao fim. O rabugento acabou de bater as botas e passa a régua: mais infâmias do que glórias, óbvio. A obra é dedicada aos vermes que roem, naquele momento solene, o seu cadáver ainda quente.

Brás Cubas é o que se pode chamar de “filhinho de papai”, um playboy, herdeiro de família burguesa, porém medíocre de espírito e formação. Ele tem consciência disso tudo, daí é que tira o riso e o sarcasmo — sabe tripudiar de si mesmo.

No encontro com Eugênia, porém, o que acontece é uma dupla crueldade do rapaz. Por um aspecto físico da moça e, mais forte ainda, por questão de classe social.

Só um gênio como Machado para construir de forma tão sofisticada esse drama.

Repare que o “defeito” no corpo é também uma metáfora da situação econômica desfavorável dessa mulher retratada nas “Memórias póstumas”.

Eugênia tem uma perna ligeiramente mais curta que a outra. “O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa!”, reflete Brás Cubas. “Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?”

Eugênia se apaixona; o almofadinha também tem sua queda pela moça. O preconceito com a questão física pesa, mas é a origem familiar — “condição inferior” — da pretendente a causa decisiva na cabeça do abastado canalha que nunca trabalhou um dia sequer em toda sua existência.

O crítico Roberto Schwarz escreveu um ensaio extraordinário sobre esse drama de classes/ origem social na obra de Machado de Assis. Está no livro “Um mestre na periferia do capitalismo”. Recomendo com muito gosto.

A dada altura, Brás Cubas se refere à possível namorada como “Flor da moita”, por ter sido gerada de uma relação extraconjugal. A carga preconceituosa dita o enredo. Haja crueldade.

E mais eu não conto. Leia o “Bruxo do Cosme Velho”. Faça como Courtney Novak, a influenciadora que levou Machadão ao sucesso no TikTok,116 anos depois da morte do escritor brasileiro.

 

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