“Marcha soldado/ cabeça de papel/
se não marchar direito/ vai preso pro quartel”
Cena 1: estudantes, professores e sociedade civil protestam na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Cena 2: uma parede de escudos escuros guarda atrás dezenas de policiais. Gás de pimenta, gritos, dispersão.
Cena 3: policiais agridem dezenas de estudantes e prendem seis para, segundo a Secretaria de Segurança Pública, “garantir a segurança”.
Não é filme. Estas foram cenas da vida real, aconteceram na última terça-feira, 21/05, há dois dias da data de publicação deste texto. Agora o plot twist, no jargão dos roteiristas, a “virada”: os estudantes protestavam contra o Projeto Complementar 9/2024, que cria o Programa Escola Cívico-Militar, uma proposta do governador Tarcísio de Freitas que deseja, veja só, que militares ensinem civilidade.
O projeto objetiva a REDUÇÃO da violência em regiões de vulnerabilidade e a melhoria da qualidade do ensino medido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), além do enfrentamento à violência e a promoção da cultura de paz no ambiente escolar. PAZ …
Livres dos incômodos protestos e da “interferência” da sociedade que dizem representar, a maioria dos deputados da Alesp aprovou o modelo e a expectativa é que de 50 a 100 escolas o adotem no Estado.
Lugares de vulnerabilidade social, com altos índice de reprovação e evasão. Lugares onde o poder enxerga um celeiro de problemas, nunca um potencial de futuro em jovens que merecem o mesmo acesso a dignidade de outras áreas que não atendem a este “perfil”.
O projeto tem a previsão de uma consulta à população, a comunidade escolar e blá, blá, blá. Está no texto que a implantação do novo modelo não exclui programas da Secretaria de Educação em andamento nas escolas.
A proposta é complementar as ações pedagógicas compartilhando com os estudantes valores como civismo, dedicação, excelência, honestidade e respeito.
Respeito? Civismo? Honestidade?
Não é preciso ser grande especialista em Educação para ver que, na prática, o campo de guerra está instalado, pois mesmo que o projeto pedagógico esteja no controle da Secretaria de Educação, a perspectiva é de uma trombada de frente, um choque metodológico, ideológico, cultural e, ainda por cima, geracional. Um militar da reserva será introduzido na escola como monitor para “desenvolver atividades extracurriculares na modalidade cívico-militares, de organização e segurança escolar”, seja lá o que isso for.
É alto o potencial de caos na mistura de educação com noções que podem fazer algum sentido dentro de um quartel, mas em uma sala de aula de periferias já feridas e estigmatizadas pelas mesmas forças que priorizam o diálogo pela linguagem do tapa na cara e da bala? Que cidadania podem ensinar instituições adestradas para não lidarem com palavras e argumentação, apenas com agressão e punição?
Dentro de um sistema supostamente democrático, protestos não violentos são atos de cidadania. Pois então, o dia da votação já é uma amostra grátis e uma metáfora do que o próprio projeto anuncia: a supressão do ser humano em favor da falsa noção de ordem e do que seja uma nação. Afinal, antes de salvar a vida, que se acuda o símbolo.
“Marcha soldado/ cabeça de papel/
se não marchar direito/ vai preso pro quartel.
O quartel pegou fogo/ a polícia deu sinal/
Acode, acode, acode, a bandeira nacional”
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