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Sociedade

Ser considerado um ótimo pai parece ser tarefa fácil

Mesma sociedade que condena criminalmente mulher que aborta enche de louros homem que faz o mínimo pelos filhos
21/10/2023 | 05h00

André Graziano

Existe uma trend na internet que diz algo como: “O sonho do meu marido era ser pai. O meu também era”. Enquanto isso, um vídeo mostra uma mulher fazendo mil atividades para cuidar da casa e da criança, enquanto o homem não faz praticamente nada. O conteúdo bem humorado significa muito: é fácil ser um bom pai, pelo menos aos olhos da sociedade. Ser uma boa mãe, ao contrário, exige muito esforço.

Uma nota publicada dias atrás no site de uma revista de celebridades ilustra bem essa situação. O título diz: “Neymar dá show de paternidade ao dormir com os dois filhos”. Show de paternidade. Dormir com os filhos foi classificado como um show de paternidade. A primeira coisa que me perguntei: será que uma mãe famosa que publicasse uma foto dormindo com os filhos ganharia uma nota com o título “show de maternidade”? Temos muitos elementos para acreditar que não.

Peço licença para um relato pessoal: sou pai de um casal de gêmeos de quase 10 meses. Já fui parabenizado por um médico por ter levado minha filha a uma consulta, enquanto a mãe estava com o outro bebê em casa. Recebo elogios por acordar de madrugada, vesti-los, dar mamadeira e banho. Minha esposa faz tudo isso (mais do que eu, na minha parcepção), mas sem os mesmos elogios (algo que me incomoda, mas muito mais a ela).

Em um país que condena criminalmente o aborto materno, o “aborto paterno” de crianças nascidas parece ser mais socialmente aceitável. Dados do Portal da Transparência do Registro Civil mostram que, de 1º de janeiro a 16 de outubro de 2023, 139.486 bebês foram registrados no Brasil com “pai ausente” (média de 484 por dia). Isso equivale a 6,8% dos 2.045.047 nascidos neste ano. E esses números não refletem os casos em que há o registro paterno formal, mas o abandono afetivo.

Parâmetros tão baixos assim colocam em evidência o “show de paternidade” que é “dormir com os filhos”. Toda a sociedade é responsável por mudar essa realidade, mas nós, pais, principalmente.

André Graziano é jornalista

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