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Por Igor Mello

A absolvição do governador Cláudio Castro (PL-RJ) e de 12 de seus aliados mais próximos — entre eles o vice-governador, Thiago Pampolha (MDB-RJ), e o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (União Brasil-RJ), — fez o Rio de Janeiro avançar algumas casas rumo à impunidade de um de seus maiores escândalos: os cargos secretos na Fundação Ceperj e na Uerj.

Vamos aos números: a contratação secreta e flagrantemente ilegal de mais de 45 mil pessoas às vésperas da eleição de 2022 custou aos cofres públicos R$ 1,3 bilhão.

Parte significativa dessas pessoas era formada por políticos, cabos eleitorais, parentes ou cupinchas das mais variadas estirpes de aliados de Castro. Só entre os contratados da Fundação Ceperj foram sacados quase R$ 250 milhões na boca do caixa em dinheiro vivo.

Apesar disso, nenhum figurão do estado responde civil ou criminalmente até hoje, dois anos depois das primeiras reportagens escritas por Ruben Berta e por mim no portal UOL revelarem o esquema.

A única vertente possível para punição, diante da leniência do MP-RJ, é a Justiça Eleitoral. O TSE ainda tem a oportunidade de não deixar tudo isso passar impune.

Essa fauna teve de tudo: de DJ de prostíbulo em Cabo Frio a ex-jogador de futebol influencer. Nenhum deles trabalhava, mas os dois faziam campanha para seus padrinhos com dinheiro público.

Por isso, o julgamento de ontem foi sui generis. Diante do caminhão de provas de desvio de recursos públicos, os quatro desembargadores eleitorais que absolveram o governador lembraram uma expressão comum em brincadeiras infantis: “comigo não está”.

Mostravam-se indignados com os fartos indícios de corrupção e o volume de dinheiro potencialmente desviado, mas disseram que isso tinha que ser decidido em processos criminais ou de improbidade administrativa.

E sustentaram isso, pasmem, sob o argumento de que o esquema dos cargos secretos existiu, mas não teve o condão de influenciar as eleições em prol do grupo político de Castro. Fizeram isso com argumentos que ora esbarravam nas fake news, ora conferiam aos réus inocência quase angelical.

O desembargador Marcello Granado abriu a divergência que absolveu Castro. Entre seus argumentos, um dos principais é que os projetos foram interrompidos antes do início da campanha.

Não é verdade: a Uerj, onde mais de 60% dos recursos foram gastos, manteve seus projetos até dezembro de 2022, atravessando todo o período eleitoral. No Ceperj, só houve interrupção depois de decisão judicial motivada pelas reportagens.

Castro levou 35 dias para comentar pela primeira vez as denúncias no Twitter. Mais uma vez o sistema de Justiça do Rio chega à inusitada conclusão sobre um dos maiores escândalos de corrupção da recheada história brasileira. Crime houve, mas não há autor.

Pouco depois, em sabatina para o Grupo Globo, negou que houvesse contratação de fantasmas porque as pessoas tinham que apresentar um documento para receber seus pagamentos na boca do caixa.

Uma rápida olhada no perfil de Granado no X, antigo Twitter, revela seu alinhamento à extrema direita que abraça Castro. Entre os cerca de 100 perfis que ele segue, não há nenhum institucional. Mas há toda a família Bolsonaro, Olavo de Carvalho, além de influenciadores bolsonaristas e veículos notoriamente difusores de desinformação.

Isso não impede arroubos de indignação com a corrupção. “Uma sociedade de bem só tem chance quando os homens de bem têm a mesma audácia dos corruptoras”, escreveu, tropeçando na concordância, em 10 de fevereiro.

Em 23 de outubro de 2023, queixou-se: “Hoje, no Rio de Janeiro, mais um dia em que se colhem as consequências da impunidade. A leniência é inimiga da prevenção geral.”

Primeiro a acompanhar Granado, o desembargador Gerardo Carnevale acolheu a tese da defesa de Castro de que a contratação de 45 mil pessoas nos cargos secretos não tinha como ter influenciado a eleição porque Castro venceu com uma vantagem de 2,6 milhões de votos para Marcelo Freixo — como se o esquema se tratasse de mera compra de votos, e não de uma estrutura paralela bilionária de campanha para o grupo político do governador.

Em um misto de incredulidade e indignação com a derrota de seu duro voto pela condenação, o relator do caso, Peterson Barroso Simão, subiu o tom após o voto de Granado.

“Para onde foram os milhões do Ceperj e da Uerj?”, questionou aos colegas, antes de disparar. “Eu honro a minha toga, a verdade e a Justiça.”

Pouco depois do fim do julgamento, Castro — que usualmente adota a estratégia de se esconder em caso de qualquer polêmica — foi ao X tripudiar.

“Repito o que sempre disse ao ex-deputado Marcelo Freixo: respeite o resultado das urnas e a vontade do nosso povo. A democracia hoje é a grande vitoriosa.”

O governador do Rio se considerar vencedor em um julgamento onde mesmo quem o absolveu, como é o caso do desembargador Fernando Cabral Filho, disse haver “acontecimentos aparentemente gravíssimos que indicam malversação do erário e infringem os princípios mais comezinhos” [da administração pública], é sinal dos tempos em que vivemos.

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