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Meio Ambiente

Entenda a PEC que propõe privatizar áreas da União no litoral brasileiro

Após dez meses parado, texto voltou a ser discutido no Senado, com uma audiência pública na CCJ
02/06/2024 | 08h23

Por Renato Machado

(Folhapress) — O Senado Federal retomou na última semana de maio as discussões em torno da polêmica PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que transfere terrenos de marinha em áreas urbanas da União para estados e municípios ou para proprietários privados.

O debate ultrapassou os limites do Congresso Nacional e da Esplanada dos Ministérios e se intensificou com o bate-boca virtual entre a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar — que anunciou recentemente parceria com uma construtora para empreendimentos na beira do mar.

Após dez meses parada, a PEC voltou a ser discutida no Senado, com uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça. O pedido de realização dessa sessão, ainda em agosto do ano passado, já havia sido uma manobra do governo para buscar que a proposta fosse votada na comissão.

O requerimento havia sido apresentado pelo senador governista Rogério Carvalho (PT-SE). Naquela mesma sessão, o presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) afirmou que muitos senadores estavam “cobrando a deliberação dessa matéria”.

A PEC foi aprovada pela Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022. O seu principal ponto é a mudança nas regras referentes aos terrenos de marinha, permitindo a passagem de algumas dessas propriedades da União para estados, municípios e para entes privados.

O relator da proposta na comissão, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que deu um parecer favorável à proposta e apontou que ela dará mais segurança jurídica aos atuais ocupantes dessas áreas, vai aumentar a arrecadação e atender necessidades de municípios com grandes áreas litorâneas.

Por outro lado, ambientalistas apontam riscos para a diversidade ecológica, com a transferência dessas áreas. O governo federal ainda aponta que a demarcação e administração desses terrenos são fundamentais para garantir a gestão adequada dos bens da União.

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Senador Flávio Bolsonaro é o relator da PEC. Foto: Jeferson Rudy/ Agência Senado

E, no meio da discussão, ainda surgiram versões de que praias poderiam ser privatizadas e que a PEC pode regularizar grandes conglomerados urbanos, como o Complexo da Maré, no Rio.

Entenda os principais ponto da PEC, que se tornou alvo de grande disputa entre ambientalistas e o mercado imobiliário e prefeituras de cidades banhadas por rios, mares ou lagoas.

O que são áreas de marinha e qual a situação atual?

Os terrenos de marinha são áreas à beira-mar, ocupando uma faixa de 33 metros ao longo da costa marítima e das margens de rios e lagos que sofrem a influência das marés. Elas foram medidas a partir da posição da maré cheia do ano de 1831. Ou seja, são áreas que ficam atrás da faixa de areia, não abrangendo portanto a praia e o mar — onde há residências, hotéis e bares.

Pela legislação atual, essas áreas pertencem à União. A ocupação por particulares, comércio ou indústrias é feita mediante o pagamento de uma retribuição, que depende do regime, e o responsável deve recolher anualmente o foro ou a taxa de ocupação.

O que mudaria, se a PEC fosse aprovada?

O texto da PEC prevê que seguirão propriedade da União as áreas afetadas ao serviço público federal, inclusive aquelas que são destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos, como os portos, as unidades ambientais federais e as áreas ainda não ocupadas.

As demais passariam ao domínio pleno de estados e municípios que as estejam usando para os seus serviços públicos, incluindo por meio de concessionárias e permissionárias.

Proprietários e ocupantes de imóveis inscritos junto ao órgão de gestão do patrimônio da União ou não inscritos, mas que tenham ocupado o local pelo menos cinco anos antes da publicação da emenda constitucional, também são abrangidos pelo texto.

Ficaria proibida a cobrança de foro ou de taxa de ocupação dessas áreas, a partir da data de publicação desta emenda constitucional.

Como seria a transferência? Donos de imóveis precisariam pagar?

A PEC prevê que a transferência seria gratuita no caso de áreas ocupadas por habitação de interesse social. As demais se dariam por processos onerosos, o que significa que seus ocupantes deverão comprar os terrenos.

As praias seriam privatizadas?

O relator Flávio Bolsonaro apontou que isso é uma “fake news” da esquerda. De fato, o texto aborda apenas as questões dos terrenos de marinha, portanto as praias não seriam privatizadas e poderiam ser frequentadas, sem o pagamento por seus usuários. No entanto, especialistas apontam que haverá a possibilidade de que empreendimentos, como resorts, controlem os acessos às áreas.

Durante a audiência, Carolina Gabas Stuchi, secretária-adjunta da Secretaria de Gestão do Patrimônio da União afirmou que o modelo atual cumpre “um papel bastante importante para a preservação do caráter público das praias brasileiras” e disse que a PEC “favorece a privatização e cercamento das praias”.

De quantos imóveis estamos falando? Haveria um “caos administrativo” com a PEC?

O governo não tem ainda conhecimento de todos os imóveis que são ocupadas nos terrenos de marinha. A Secretaria do Patrimônio da União tem cadastrado em seus sistemas cerca de 565 mil imóveis. No entanto, dados do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam um cenário diferente, com milhões de imóveis ainda desconhecidos.

“Então, ainda que a PEC fosse aprovada hoje, a gente teria um caos administrativo, um caos na gestão disso, porque teríamos que achar e cadastrar todos os ocupantes desses quase 3 milhões de imóveis que ainda não conhecemos”, afirmou Carolina Gabas Stuchi.

Qual o valor desses terrenos e o impacto na arrecadação federal?

O governo afirma que esses imóveis constituem uma reserva estratégicas de recursos, que podem provocar uma perda de R$ 500 bilhões no Balanço Geral da União. Em termos orçamentários, a perda seria de R$ 2,5 bilhões anuais.

Há risco de danos ambientais?

Ambientalistas e integrantes do governo apontam que muitas dessas áreas constituem uma faixa de segurança, incluindo para evitar cheias, além de muitas áreas se referirem a alguns ecossistemas importantes para a sociedade.

“Acabar com a instituição dos terrenos de marinha, da faixa de segurança e, principalmente, ocupar essas áreas é perder ecossistemas e serviços ecossistêmicos, perder qualidade de vida e bem-estar humano nas cidades costeiras, um bônus para pouquíssimos e um ônus para toda a sociedade brasileira muito alto”, afirma Marinez Eymael Garcia Scherer, coordenadora-geral do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

 

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