Por Karla Gamba
O PL do Estupro provocou um racha na bancada evangélica durante as últimas semanas, apurou a coluna.
O texto, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), incomodou até os parlamentares ligados a igrejas por diversos motivos, desde seu conteúdo — que criminaliza o aborto após a 22ª semana de gestação mesmo para mulheres vítimas de estupro, com pena maior que a do estuprador — até a tentativa de aprovação repentina.
Lideranças da bancada evangélica também avaliaram, em conversas com a coluna, que Sóstenes — deputado tido como o porta-voz do pastor Silas Malafaia na política partidária — usou a polêmica em torno do PL do Estupro para buscar protagonismo pessoal, o que desagradou outros integrantes do grupo.
O racha se reflete na lista de deputados que assinam o PL do Estupro ao lado de Sóstenes como coautores: quase todos são bolsonaristas raiz do PL, mas não há nenhuma liderança de expressão da bancada evangélica — que é bastante pulverizada entre as legendas na Câmara.
Lira assumiu compromisso por PL do Estupro
Um dos principais objetivos da bancada evangélica é restringir as regras sobre o aborto — hoje permitido quando a mulher engravida em função de um estupro, o feto é anencéfalo ou a gravidez coloca em risco a vida da gestante.
Entre diversas propostas e iniciativas que surgiram nos últimos anos, a que mais agradou a bancada e obteve um número expressivo de parlamentares como apoiadores é chamado “Estatuto do Nascituro” — que pretende tratar todo aborto como crime hediondo, mesmo em casos de estupro e outras hipóteses hoje permitidas, e estabelecer em lei o parâmetro de que a vida começa na concepção.
No final de 2023, a bolsonarista Chris Tonietto (PL-RJ) conseguiu reunir mais de 300 assinaturas de colegas da Casa em um requerimento que pedia urgência na votação do tema.
O radicalismo do texto provocou reações contrárias entre parlamentares do campo progressista e na sociedade civil, fazendo com que a manobra fosse freada e o texto fosse mantido na gaveta.
Desde então, a bancada evangélica busca estruturar uma proposta mais “branda, em sua visão, que teria mais chance de passar na casa. Um deputado da Frente Evangélica afirmou à coluna que, em conversas com o grupo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), trabalhou nesse processo de convencimento de que era necessária uma proposta intermediária, menos extrema que o Estatuto do Nascituro.
Na visão de parte dos parlamentares da bancada evangélica, a discussão em torno dessa proposta acabou sendo atravessada quando, no último dia 17 de maio, Sóstenes protocolou o PL do Estupro. Imediatamente, o texto passou a ser visto como a “alternativa viável”.
De olho na obtenção de apoios para fazer sua sucessão no comando da Câmara em 2025, Lira se comprometeu a botar o PL do Estupro em votação, segundo uma fonte ouvida pela coluna. Sóstenes Cavalcante, autor do texto, ocupa a segunda-vice-presidência na Mesa da Câmara, é próximo de Lira.
A articulação em torno do texto do PL do Estupro contou com a chancela do CFM (Conselho Federal de Medicina). Na mesma data, o Conselho sofreu uma derrota no Supremo Tribunal Federal (STF), quando o ministro Alexandre de Moraes suspendeu uma norma que restringia a realização de abortos até em casos previstos por lei com a técnica de assistolia fetal.
Alguns parlamentares evangélicos que defendem a proibição do aborto relatam que foram surpreendidos quando o pedido de urgência o PL do Estupro foi pautada por Lira.
A interlocutores, Sóstenes argumentou que “precisou apresentar o texto rapidamente” pois havia costurado com Arthur Lira sua aprovação ainda neste semestre, antes do recesso parlamentar.
A promessa, de fato, chegou a acontecer, conforme apurou a coluna, mas a tentativa de aprovação acelerada, o conteúdo do texto, associados à investida de Sóstenes por um protagonismo próprio, desagradou colegas.
Entre eles, o presidente e um dos principais articuladores da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara (Republicanos-AM), pastor da Assembleia de Deus de Belém.
Silas Câmara é tido como um líder de perfil mais moderado, com mais habilidade em negociações políticas e possui espaço de diálogo com o atual governo do presidente Lula.
Diante da repercussão negativa na opinião pública — com grandes manifestações pelo país e pressão por parte de influenciadores e artistas –, Arthur Lira recuou na promessa de pautar o PL do Estupro imediatamente no plenário.
Integrantes da bancada evangélica, que já estavam descontentes, preferiram se manter alheios. A desarticulação, na avaliação de alguns deles, foi um ponto que custou a possibilidade real de aprovação.
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