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Governo ignora prazo e acordo com movimentos, e engaveta reforma do Imposto de Renda

Reforma dos impostos sobre consumo determinava que proposta sobre IR fosse apresentava em março
02/07/2024 | 05h00

Por Vinicius Konchinski — Brasil de Fato

A tão prometida reforma dos tributos sobre renda e patrimônio não tem prazo para sair. Apesar de uma emenda à Constituição ter obrigado o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a apresentar ao Congresso uma proposta sobre o tema ainda em março, o próprio governo não trabalha com qualquer data para cumprir com sua obrigação.

Lula foi eleito em 2022 prometendo colocar “ricos no imposto de renda”. Seu governo, entretanto, priorizou esforços para a aprovação da reforma dos impostos sobre o consumo.

Tal reforma foi aprovada no final do ano passado, mas ainda depende de regulamentações em discussão no Congresso. Com essas pendências em aberto e sem clima político para análise de uma nova reforma, a discussão sobre o imposto de renda acabou engavetada.

A reforma do imposto de renda é considerada essencial por tributaristas e movimentos populares para reduzir a desigualdade tributária no país, finalmente taxando mais quem ganha mais e cobrando menos dos mais pobres. Para ela, porém, será preciso esperar.

“Não há data definida para a divulgação [da proposta] e para o envio ao Congresso Nacional”, declarou a Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, ao ser questionada pelo Brasil de Fato sobre o assunto. “A proposta de reforma de tributação da renda segue sendo elaborada pelo Ministério da Fazenda”.

Reforma tributária referente ao consumo foi promulgada em 2023; do imposto de renda não tem prazo para tramitar . Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Atrasos no prazo

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), havia dito em janeiro de 2023 — nos primeiros dias do novo governo Lula — que esperava que a reforma dos impostos sobre o consumo fosse aprovada no primeiro semestre daquele ano. Isso abriria espaço para a aprovação da reforma sobre a renda no segundo semestre.

Isso não aconteceu. O texto principal da primeira reforma tramitou até dezembro. Já sua regulamentação segue em aberto. Está longe, portanto, de um ser um assunto encerrado.

Haddad já disse também que é preciso respeitar o tempo do Congresso e não “despejar” projeto atrás de projeto sobre ele. Isso indica que o governo pretende concluir a reforma sobre consumo primeiro para depois propor uma reforma sobre a renda.

O próprio ministério, entretanto, admite que sequer tem uma proposta fechada sobre o assunto. Especialistas que acompanham a discussão do tema dizem que o governo, na verdade, tende a fatiar a reforma em projetos pontuais já considerando que não teria tempo nem capital político para aprovar uma mudança mais abrangente até 2026.

“O governo tem avaliado que, se encaminhar [a reforma], vai ser derrotado. Por isso, tem resistido”, disse Marcelo Lettieri, auditor da Receita Federal e diretor do Instituto Justiça Fiscal (IJF) ao BdF. “Ele já fez alguns testes, encaminhando mudanças na taxação das offshores e dos fundos exclusivos. As forças contrárias começaram a dizer que a carga tributária está muito elevada e deve haver corte de gastos. Acho que dificilmente o governo vai encaminhar algo em ano eleições municipais”, completou.

Estratégia

Lettiere, aliás, disse que o governo errou em priorizar a aprovação da reforma sobre o consumo. Tal proposta não mexeu na carga tributária. Foi idealizada justamente para ter um efeito neutro. Não ataca, portanto, os principais problemas do sistema tributário nacional como a reforma do imposto de renda pode fazer.

O próprio governo sabe disso. Grazielle David, pesquisadora e apresentadora do podcast É da Sua Conta, da Tax Justice Network, disse que movimentos populares o alertaram sobre essa questão. Chegaram a um acordo de apoiar a reforma sobre o consumo para que logo na sequência fosse apresentada a reforma da renda.

“Tanto é que no próprio texto da Emenda Constitucional 132, que foi essa da reforma tributária sobre o consumo, tem uma previsão de apresentação num prazo de 90 dias de uma proposta de reforma do imposto de renda”, acrescentou ela. “Esse prazo já venceu há três meses e o governo ainda não fez essa apresentação completa”.

Para Grazielle, a gestão precisa se posicionar. “O governo tem que honrar esse compromisso assumido e isso tem que ser feito o mais breve possível, nem que seja com a programação de quais medidas serão realizadas, em qual prazo”, cobrou.

Importância

Dão Real Pereira dos Santos, auditor, membro do coletivo Auditores Fiscais pela Democracia e presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF), avalia que a reforma do imposto de renda pode contribuir para a solução de muitas questões no Brasil.

Além de reduzir a desigualdade, pode estimular a economia nacional, reduzindo o peso dos impostos sobre a população mais pobre, que é a que mais consome proporcionalmente. O crescimento da economia automaticamente aumentaria a arrecadação do governo, reduzindo a crescente pressão por corte de gastos.

“As pessoas hoje gastam menos porque pagam mais impostos, porque tem menos dinheiro”, explicou. “Ao não fazer a reforma, estamos deprimindo a atividade econômica”.

Por fim, dos Santos ainda ressaltou que a reforma também pode gerar mais arrecadação porque pode instituir a cobrança de impostos sobre itens que hoje não são tributados. Lucros de empresas distribuídos por meio de dividendos, por exemplo, que hoje são isentos, devem passar a ser rendimentos tributáveis com a nova reforma.

O auditor ressaltou que uma mudança como essa desagrada os ricos do país. Por isso, a pressão popular será decisiva para que a reforma realmente saia do papel. “Sem mobilização da sociedade, dificilmente um projeto de tributação das rendas dos mais ricos vai prosperar”, disse.

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