Por Heloisa Villela
Os pedidos e sugestões para que Joe Biden abandone a tentativa de se reeleger agora vêm de todo lado e de forma direta. Editorial de jornal, assessores falando sem se identificarem, analistas… Todos apavorados com o desempenho do presidente no primeiro e único debate até agora, neste ciclo eleitoral.
Mais assustados ainda com a real possibilidade de ver Donald Trump de volta à Casa Branca. No entanto, a pesquisa Ipsos/Reuters, feita no sábado (29 de junho), ou seja, logo em seguida ao debate na quinta (27), mostra Donald Trump e Joe Biden empatados na preferência do eleitorado, com 40% dos votos cada um.
A pesquisa foi feita durante dois dias e aponta que Biden não perdeu terreno na disputa. Ao mesmo tempo, ela também mostra que um em cada três democratas acredita que o presidente deve desistir da reeleição e abrir caminho para outro candidato.
Nessa última consulta, o único nome capaz de ganhar de Trump com uma boa margem de votos é a ex-primeira dama Michelle Obama, que hoje teria 50% dos votos contra 39% para Biden. Porém, ela nunca atuou na política partidária e sempre deixou claro que não tem a menor intenção de se tornar candidata.
Logo depois do debate, quando ficou patente a dificuldade de Biden em se comunicar e, em alguns momentos, até mesmo concluir um pensamento, o conselho editorial do jornal The New York Times foi direto ao ponto com a manchete: “Para servir seu país, o presidente Biden deve abandonar a disputa”. É tradição, nos Estados Unidos, que órgãos de imprensa declarem de que lado estão nas eleições. Mas pedir a um candidato que desista e deixe a vaga para outro é raro.
O NYT não está sozinho. O Wall Street Journal e a revista britânica The Economist seguiram o mesmo caminho. O WSJ destacou que em um primeiro momento, haveria um certo pânico — a incerteza, entretanto, atrairia a atenção do mundo para a convenção do Partido Democrata que pela primeira vez em décadas não teria um resultado pré-acertado, não seria exatamente um jogo de cartas marcadas.
A Economist chega a dizer que desistir seria uma saída honrosa: “Seu [de Joe Biden] último e maior ato político ajudaria a resgatar a América de uma emergência”, afirmou o conselho editorial da revista britânica.
Coincidência ou não (elas não existem), começaram a surgir nos jornais dos Estados Unidos e da Europa reportagens feitas com base em fontes próximas ao presidente ressaltando que os momentos difíceis do debate, que o mundo acompanhou, não são isolados.
Na verdade, são cada vez mais frequentes tanto em público e nas conversas com os assessores. Uma dessas fontes teria dito ao The New York Times que a situação piorou nos últimos meses.
O professor Reginaldo Nasser, mestre em ciências políticas e doutor em Ciências Sociais pela PUC de São Paulo, está de olho nas pesquisas eleitorais. Especialmente as que comparam Donald Trump com diferentes nomes do Partido democrata.
Ele notou que os resultados são todos semelhantes, ou seja, indicam uma liderança muito apertada, mas sempre em favor de Trump. E apontou os dados da economia como possível explicação.
Desde 2020 até agora, nos anos do governo Biden, o preço da comida subiu cerca de 35%. As famílias estão gastando mais para comer o mesmo que comiam em 2020 ou foram obrigadas a mudar a cesta de compras no supermercado. Por isso, ele acredita que mudar o nome do candidato talvez não resolva o problema dos democratas.
Nasser diz que algumas pesquisas hoje mostram que a principal preocupação dos eleitores dos Estados Unidos é com o preço da comida. Pouquíssimos querem discutir o que aconteceu no Capitólio em 6 de janeiro de 2021. “É aquela história. O partido democrata assumiu posições cada vez mais à direita. A política migratória é uma vergonha. Não pode ser assim. É preciso estabelecer uma agenda e defendê-la até o fim”.
Nasser também está intrigado com o silêncio pesado da ala mais progressista do partido. Os senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren não têm dito nada a respeito de uma possível mudança na chapa. O professor brasileiro se espanta com a falta de urgência dos políticos que defendem a democracia e sabem que a volta de Trump a Washington seria desastrosa.
Nomes mais e menos conhecidos do partido democrata abandonaram as meias-palavras e colocaram as cartas na mesa. O deputado Adam Frisch, do Colorado, pediu mudanças na cabeça da chapa. Lloyd Doggett, do Texas, disse que o presidente precisa dar espaço a uma nova geração de políticos do partido.
Em entrevista à rede MSNBC, Jim Clyburn, deputado da Carolina do Sul, disse que apoiará Kamala Harris caso Biden desista. Clyburn foi um apoio decisivo para Biden se tornar candidato a presidente quatro anos atrás. Até mesmo a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, de 84 anos, defendeu que é legítimo perguntar se o desempenho de Biden no debate foi apenas um episódio ou se é hoje uma condição permanente.
A CNN publicou na terça-feira (2 de julho) pesquisa para apontar que a maioria dos eleitores democratas acha que o partido tem mais chances de derrotar Trump se o candidato for um outro, e não Joe Biden. Enquanto isso, Trump consolida o apoio entre os republicanos, apesar dele ser hoje um condenado por fraude contábil para esconder que deu dinheiro a uma atriz pornô para que ela mantivesse em segredo o caso que tiveram.
A vice-presidente, Kamala Harris, não seria a solução. Ela não empolga o eleitorado e não conseguiu se destacar como possível candidata a presidente enquanto esteve na posição de braço direito de Biden. Mas o partido tem nomes viáveis que se forem trabalhados desde agora, podem derrubar Donald Trump em novembro.
O governador da Califórnia, Gavin Newson, é sempre lembrado quando a conversa é substituir Trump. Mas talvez não seja a melhor opção. A Califórnia é um estado que normalmente vota no candidato democrata. O partido não precisa de um nome vindo de lá para reforçar a campanha. E o estado é visto como sempre mais progressista. Está enfrentando problemas com moradia, muitos sem-teto nas principais cidades, como São Francisco e Los Angeles. Seria alvo fácil para os republicanos.
Já a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, seria uma alternativa. O nome dela tem sido muito falado nos meios democratas. Tanto que, segundo o site Politico, ela ligou para um dos chefes da campanha de Biden para esclarecer que não está gostando nada dessa conversa porque é leal ao presidente. Mas Gretchen foi convidada especial do podcast do The New York Times recentemente e o nome dela está pipocando nos quatro cantos do partido.
Vencer no Michigan é fundamental para um democrata chegar à Casa Branca. A governadora é popular. Os cantores de rap de Detroit a chamam, carinhosamente, de Big Gretch. No cargo, ela foi vítima de uma tentativa de sequestro e assassinato, debelada pela polícia local.
Em resposta, aprovou uma lei para dificultar o acesso às armas no estado. Outro detalhe importante: a governadora está prestes a lançar um livro de memórias, “True Gretch”, ou, em português, “A verdadeira Gretch”. Isso é um sinal importante porque todo candidato com pretensões à Casa Branca lança um livro de memórias. O dela sairá agora, no começo de julho, antes da convenção do partido democrata marcada para 19 a 22 de agosto.
Por conta do sistema eleitoral dos Estados Unidos, é importante vencer nos estados. Em alguns deles todo mundo sabe que candidato vai levar a melhor. Mas em sete existem dúvidas. O resultado das pesquisas é apertado demais para se ter certeza. E é nesses estados que a disputa vai se definir.
Michigan está entre os sete que podem decidir a disputa. Pensilvânia e Nevada também estão na lista. São estados com perfil político semelhante. O cálculo que se faz é que se a Big Gretch conquistar com folga o eleitorado do estado dela, pode fazer o mesmo na Pensilvânia, em Nevada, na Geórgia e algum outro da lista dos indefinidos.
Antes de qualquer coisa, é preciso que Biden decida. Se ele, que aparentemente conta com todo o apoio da família para continuar na luta pela reeleição, não desistir, serão poucos os políticos que falaram abertamente na necessidade de escolher um candidato mais apto a derrotar Trump.
Mesmo com um nome forte como o da governadora Gretchen, vai ser preciso mobilizar todas as forças democratas do país se os Estados Unidos quiserem evitar um Trump ainda mais radical e vingativo. Assim como Ted Kennedy correu o país em nome da candidatura Obama, o ex-presidente e sua mulher, Michelle, devem ser convocados a arregaçar as mangas.
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