Juliana Dal Piva e Igor Mello
O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) acessou um cofre que ele possuía em um agência do Banco do Brasil (BB), no centro do Rio, menos de três horas antes de efetuar um depósito com dinheiro vivo na boca do caixa para pagar um apartamento que ele adquiriu no bairro de Copacabana, na zona sul. É o que revela um laudo do Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro e Corrupção do MP-RJ (Ministério Público do Rio), obtido pela coluna com exclusividade. A coluna procurou a defesa de Carlos, mas não obteve retorno até a conclusão da reportagem.
O valor declarado em cartório para a transação foi de R$ 70 mil. O imóvel foi comprado por um valor muito abaixo do mercado. O apartamento, um apart-hotel, tinha sido avaliado pela prefeitura do Rio, para fins de cobrança de impostos, em R$ 236 mil, à época.
Na escritura do imóvel consta que Carlos efetuou o pagamento por meio de transferência bancária, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo em 2020. No entanto, ao analisar as contas bancárias do vereador, o MP não identificou nenhuma transferência bancária.
No extrato bancário de Carlos, consta um débito no valor de R$ 60 mil, cujo lançamento foi identificado como “pagtos diversos autorizados”.
Para atingir saldo suficiente para a transação, Carlos já havia recebido um depósito de R$ 10 mil, em espécie, dias antes.
No dia 20 de março, data em que o pagamento do imóvel foi feito, consta um novo crédito, dessa vez de R$ 31.687,05, identificado como “resgate poupança” – o relatório não indica de qual conta teriam vindo esses recursos, nem se ela pertencia ao vereador.
Após analisar as transações, os investigadores pediram mais informações ao Banco do Brasil e foram informados de que Carlos tinha feito um depósito em dinheiro vivo, na boca do caixa, para uma conta que consta em nome do vendedor.
O documento relata que “a título de informação, este depósito de R$ 60 mil, cuja origem se deu no saldo da conta Banco do Brasil, foi efetuado na boca do caixa às 14h40min”, duas horas e quarenta minutos depois que Carlos esteve no cofre. Não foi encontrado nenhum outro pagamento da conta de Carlos ao vendedor para totalizar os R$ 70 mil declarados em escritura de compra e venda e também na declaração de imposto de renda do vereador.
Ao mesmo tempo, os investigadores apontam que o depósito em espécie para o vendedor, no total de R$ 60 mil, foi feito em uma agência do BB que fica a 500 metros de onde Carlos mantinha o cofre — ambos os endereços são vizinhos à Câmara dos Vereadores do Rio.
A perícia do MP destaca a ida ao cofre poucas horas antes da transação: “Ademais, com base nas informações constantes no Contrato de Locação de Cofre, Carlos Bolsonaro no mesmo dia 20/03/2009 esteve na agência 0001-9 Rio (Rua Lélio Gama, 105 — Centro) e acessou o seu cofre n.º 225 entre os horários de 11h48min a 12h”, completa o documento. Carlos já havia mexido no cofre dois dias antes, em 18 de março.
Carlos Bolsonaro mexia em cofre com frequência
Ao verificar os dados sobre o cofre de Carlos, o MP descobriu que ele possuiu o mesmo a partir de 24 de novembro de 2004, no fim de seu primeiro mandato como vereador. “Foi contratado cofre grande, de n.º 225, contendo 02 caixas de tamanho 22,9 X 22,9 X 54,0”, registra o documento. O vereador possuía o cofre em conjunto com outra pessoa. O nome dela, porém, foi tarjado dos documentos. Na ocasião da abertura do cofre, o valor declarado foi de R$ 20 mil. Carlos teve o cofre até 10 de outubro de 2016.
Nos documentos encaminhados pelo Banco do Brasil, o MP também obteve o “Cartão de Controle” e o “Controle de Frequência de acesso ao Cofre nº 225” que contém data e hora de entrada e saída dos locatários. “Carlos Bolsonaro, por vezes, realizou pelo menos um ou mais acessos por mês, fato este que despertou a atenção deste Laboratório, uma vez que cofres bancários, usualmente, se destinam à guarda de joias, metais preciosos, documentos, além de grandes somas em dinheiro”, apontou o MP.
Em 2020, o jornal Folha de S. Paulo revelou que Carlos tinha um cofre no BB e apontou que ele não declarou os valores que guardava ali para a Justiça Eleitoral, em 2008. Em 2009, o vereador pagou R$ 15,5 mil, também em dinheiro vivo, para cobrir um prejuízo que obteve em uma operação na bolsa de valores.
A 1ª Vara Criminal Especializada do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) autorizou a quebra de sigilos fiscal e bancário de Carlos Bolsonaro e de seus assessores entre 2005 e 2021. A 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada apura peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete de Carlos e pediu uma análise dos dados obtidos. O relatório obtido pela coluna é de 22 de agosto de 2023.
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