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Jessé Souza

Escritor, pesquisador e professor universitário. Autor de mais de 30 livros dentre eles os bestsellers “A elite do Atraso”, “A classe média no espelho”, “A ralé brasileira” e “Como o racismo criou o Brasil”. Doutor em sociologia pela universidade Heidelberg, Alemanha, e pós doutor em filosofia e psicanálise pela New School for Social Research, Nova Iorque, EUA

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Sobre a corrupção real do Brasil: o mercado e a fraude das Lojas Americanas

Existe a expectativa de que o Tesouro Nacional, ou seja, nós todos, terminemos pagando mais esta conta
05/07/2024 | 15h18

Como resultado de fraudes as mais variadas, que basicamente implicavam na existência de dois balanços da empresa, uma para uso interno e verdadeiro e outro para uso externo e falso de modo a enganar credores e fornecedores, a Polícia Federal orçou em 25 bilhões de reais a gigantesca falcatrua envolvendo as Lojas Americanas.

Foram implicados na fraude o CEO da companhia, Miguel Gutierrez, e mais 13 funcionários. Gutierrez só ficou preso por 24h e logo depois foi solto pela Justiça espanhola. No entanto, o que causa estranheza é o fato do trio de acionistas que comanda a empresa, J.P. Lehman, Beto Sicupira e Marcel Telles, sequer aparecer na investigação da PF.

O trio foi sempre festejado pela mídia brasileira como exemplos de empresários astutos e inovadores. Lehman, muito especialmente, é talvez o mais festejado multimilionário brasileiro e frequentemente tido como inspiração de muitos.  A blindagem dos acionistas principais nos crimes e fraudes gigantescas é a marca distintiva do capitalismo brasileiro. Uma pequena elite que se locupleta de todo tipo de fraude e falcatrua simplesmente porque entre nós, por definição e acordo prévio, não existiria corrupção no mercado. A corrupção seria só da política – é como a mídia se posiciona neste assunto – para melhor criminalizá-la e comprá-la ainda mais barato.

Como as fraudes aconteciam pelo menos desde 2007 e o CEO é controlado e apoiado pelos acionistas majoritários é quase impossível que não soubessem. Essa blindagem dos super ricos que têm autorização para roubar como 007 tinha para matar, funciona de vários modos. O principal elemento é a imprensa. Venal e orientada exclusivamente pelo lucro, ela é a melhor defesa dos super ricos que controlam o mercado brasileiro. Depois, as bancas de advogado pagos a peso de ouro garantem impunidade e conivência dos tribunais superiores. Se nada der certo, a “política”, comandada pelos Liras da vida,  intervém.

Todos os jornais falam dos CEO e dos funcionários, mas nenhum fala dos acionistas super ricos. E sabemos que a invisibilidade é o principal dispositivo de poder. Se os culpados não são sequer mencionados, eles se tornam literalmente invisíveis, tornando necessária a produção dos bodes expiatórios menores. No atacado, este bode expiatório é sempre a política, quando se esquece e se invisibiliza o corruptor, que é  sempre, em todos os casos, agente do mercado.

No varejo do caso a caso das fraudes dentro do próprio mercado, então são sempre os funcionários, que sabemos, só cumprem ordens, que são investigados e eventualmente condenados como pessoa física. Como a fraude era comentada em e-mails internos abertamente, a não ciência dos acionistas principais acerca das fraudes é muitíssimo improvável para não dizer impossível. Mas não se aventa sequer a possibilidade de por Lehman e seus comparsas na investigação.

Existe a expectativa de que o Tesouro Nacional, ou seja, nós todos, terminemos pagando mais esta conta. Ou alguém acha que o Itaú ou Santander vão ficar no prejuízo?  Esse é inclusive, o caminho dourado da corrupção brasileira: transformar por debaixo do pano dívidas privadas em dívida pública paga pelos otários: nós todos que formamos a população brasileira.

 

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