Por Catarina Duarte — Ponte Jornalismo
Os músicos Roger Rocha Moreira e Marcos Fernando Mori Kleine, da banda Ultraje a Rigor, pedem R$ 30 mil em indenização por danos morais contra o chargista Gilmar Machado Barbosa. A ação foi movida após a publicação por Gilmar de uma charge que retrata os integrantes. Na imagem, além do desenho da dupla, a frase “fascistas falidos” motivou a ação (veja abaixo). Para Roger e Kleine houve “lastimável abuso no exercício da liberdade de expressão”. O chargista se diz acuado.
Três charges são alvo de pedido de remoção pelos músicos. A mais recente é uma postagem feita no Instagram e no X (antigo Twitter) por Gilmar no dia 9 de junho. A charge alude a uma confusão após o anúncio de que o show da banda Ultraje a Rigor no aniversário da rádio paulistana Kiss FM havia sido cancelado.
O âncora do programa Alternativa, da emissora de rádio, Marco Antonio Abreu, conhecido como Titio Marco Antonio, publicou no X: “Graças a Deus a Kiss repensou e decidiu cancelar o show de aniversário da rádio com a merda ultrajante do Ultraje a Rigor. Uma rádio tão importante como a nossa, merece uma festa de respeito e não um grupo de fascistas falidos”. A postagem foi feita no dia 8 de junho e não está mais no ar. Em seguida, integrantes da banda pediram a demissão dele.
Em uma das postagens, Marcos Kleine escreveu: “E aí @Kiss_FM vão demitir o cara? Ou vão passar pano?”. Ele respondia à nota divulgada pela Kiss FM após o caso. Nela, a rádio disse que as publicações feitas pelos comunicadores em páginas pessoais não refletiam a opinião da empresa.
Já Roger Moreira compartilhou uma matéria do portal Terra com o título: “Ultraje a Rigor quer demissão de radialista após ser chamado de fascista”. Ele comentou: “isso aí que queremos, ver o circo pegar fogo!”.
Gilmar diz que fez a charge em apoio ao Titio Marco Antônio após a publicação. Jornalista, ele atua como chargista há mais de 35 anos. A trajetória profissional inclui passagens por redações de jornais como Folha de S. Paulo, Diário de S. Paulo, Diário do Grande ABC e Jornal do Brasil.
Charges alvo
No pedido de indenização, os cantores citam outras duas charges. Uma delas é de dezembro de 2023. A charge repercute uma notícia com o seguinte título: “Roger Moreira faz acordo com MP após humilhar criança vítima de estupro”. Na charge, Gilmar escreveu: “O espírito racista, fascista, bolsonarista, covarde que permeia nosso asco”.
Outra postagem anexada ao pedido de indenização é de 24 de fevereiro do ano passado. Publicada no X, a charge era acompanhada pela seguinte mensagem: “Ultraje a Rigor Roger lambe botas de genocida Moreira”.
Para a defesa dos músicos, feita pelo advogado Paulo Orlando Júnior, o uso da palavra fascista “ultrapassou o âmbito de opinião pessoal e desvirtuou os limites da liberdade de expressão”.
O pedido também diz que Gilmar tem muitas postagens com “claro objetivo de atacar e destilar ódio contra o lado político do qual diverge”.
Uma postagem feita por Gilmar após o pedido também acabou arrolada. A charge critica o pedido judicial feito pelos músicos para a retirada do conteúdo.
Também foram anexadas outras charges feitas por ele. Algumas delas, com críticas ao fascismo e ao governo de Israel. Para o advogado dos músicos, as publicações “demonstram a fúria do Réu em relação a quem não pensa igual a ele”.
Acuado
Gilmar está acuado. O chargista conta que já recebeu críticas e ataques, mas essa é a primeira vez que é processado por uma charge.
O fato de a charge crítica ao pedido de indenização ter sido anexada ao processo deixou o artista ainda mais angustiado. “Estou meio depressivo, acuado e sem saber o que posso ou não fazer na minha rede social”, diz.
O vasculhamento de produções anteriores também incomoda o chargista. Ele se refere à menção pelo advogado dos músicos a outros trabalhos com críticas ao genocídio em Gaza, à violência policial e à violência contra a mulher. Gilmar defende seu trabalho. “Eu quero causar reflexão e impacto como merece toda a situação que a gente enfrenta no Brasil”, afirma.
A defesa de Gilmar, conduzida pelo advogado Lucas Mourão, afirmou em contestação enviada à Justiça que a charge por definição usa da ironia, hipérbole satírica e do exagero caricato para provocar reflexão.
O advogado defende que todas as charges tinham contexto. No caso da crítica dirigida a Roger em fevereiro de 2023, o advogado justificou que na época o ex-presidente Jair Bolsonaro era acusado de genocídio e que Roger era um defensor público do ex-presidente.
Já a charge de dezembro daquele ano, em que Gilmar escreve junto ao desenho a palavra racista, a defesa alegou ser uma resposta a uma postagem já excluída feita por Roger. Nela, aparece o desenho de um homem negro com a seguinte frase: “céloko, banco de ônibus tem carregador de celular. Vou quebrar”.
O músico compartilhou o desenho no X e escreveu: “o espírito de porco que permeia nossa cultura”. A charge de Gilmar é uma paródia ao episódio, argumenta a defesa.
No caso da charge com a frase “fascistas falidos”, a defesa argumenta que a discussão entre o radialista e os membros da banda ganhou interesse público, o que motivou a sátira. A frase, diz o defensor, não foi atribuída pelo chargista aos músicos, mas sim usada para ilustrar o ocorrido.
Foi anexada à contestação uma nota da Associação dos Cartunistas do Brasil (ACB). No texto, a instituição presta solidariedade a Gilmar e defende a liberdade de expressão. “A charge sempre é reativa a algum acontecimento ou fato já noticiado pela mídia. É um comentário de um profissional de mídia que pode estar defendendo ou criticando um lado ou outro da notícia que leu. Portanto é preciso que tenha o reconhecimento do direito de opinião e de liberdade de imprensa visionados em nossa constituição”, diz a ACB.
Charges no ar
O juiz Sergio Serrano Nunes Filho, 11ª Vara Cível do Foro Cível de São Paulo, indeferiu o pedido para retirada do ar das postagens. A decisão foi publicada no dia 15 de junho. Nela, o magistrado escreveu que a questão necessitava de contraditório e análise, “podendo a pretensão dos autores de censura ensejar violação” ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 130. O texto consolida a liberdade de manifestação e expressão jornalística.
Em 4 de julho, o mesmo juiz indeferiu o novo pedido do advogado dos músicos para a retirada dos posts.
Na réplica, os advogados de Roger e Marcos pediram que os autos fossem enviados ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) para apuração de crime de incitação do ódio. A solicitação ainda não foi analisado pelo juiz.
Ultraje a Rigor
A Ponte procurou os integrantes da Ultraje a Rigor por meio do advogado Paulo Orlando Júnior, que os representa na ação. Não houve retorno até a publicação do texto. O espaço segue aberto.
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