Por Karla Gamba
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por fiscalizar e aplicar sanções contra o vazamento ilegal de dados, impôs sigilo em um procedimento administrativo que investiga o compartilhamento de informações pessoais de brasileiros que são coletadas no WhatsApp e repassadas para outras redes sociais da Meta (que também é dona do Facebook e Instagram). Os dados coletados vão desde nível da bateria do celular, até grupos que o usuário frequenta, orientação política e religião, por exemplo.
A investigação na ANPD começou em 2021, quando o WhatsApp mudou sua política de privacidade por meio de uma atualização obrigatória do aplicativo. À época o WhatsApp informou que era necessário fazer a atualização ou o usuário perderia a possibilidade de usar algumas ferramentas. Assim, a empresa conseguiu um “consentimento” para captar todas essas informações de quem usa o aplicativo — inclusive dados considerados sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
No início do procedimento, outras entidades chegaram a participar e contribuir com o processo. Ainda em 2021, a ANPD publicou um documento no qual recomendava a análise técnica da política de privacidade do WhatsApp e, posteriormente, que o Conselho Diretor avaliasse a conveniência de divulgar amplamente essas informações e orientar os usuários sobre seus direitos perante a legislação brasileira.
Porém, no curso do processo, o Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) e o Ministério Público Federal (MPF) solicitaram à ANPD que fossem incluídos nas discussões e ambos tiveram seus pedidos negados.
Além da falta de acesso ao procedimento administrativo, as entidades reclamam do prazo de tramitação, visto que até o momento não houve decisão, nem tampouco a avaliação do Conselho Diretor sobre divulgação do caso e orientação da população brasileira.
Atualmente, o Conselho Diretor da ANPD, instância máxima do órgão, possui cinco membros. Destes, três deles, incluindo o presidente, são militares indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Idec e Ministério Público questionam sigilo na Justiça e pedem acesso ao processo
Diante do sigilo — que se estende também a qualquer cidadão comum — o Idec e o Ministério Público ingressaram com uma ação civil pública na qual pedem que a ANPD dê publicidade ao caso e permita que entidades relacionadas ao tema possam contribuir com o processo. A ação também pede que o WhatsApp pague uma multa de R$ 1,7 bilhão a título de dano moral coletivo. O valor será destinado ao Fundo de Direitos Difusos.
O Idec e o MPF alegam que a ANPD não está cumprindo seu papel e vem se comportando de “maneira opaca”. Eles ressaltam ainda que por diversas vezes o órgão negou acesso básico a seus processos administrativos, com justificativas que classificam como “exóticas”:
“De fato, durante a apuração conduzida em relação à política de privacidade de 2021 do WhatsApp, a ANPD reiteradas vezes negou acesso básico, a organizações civis como o Idec, a seus processos administrativos, e até mesmo passou, com exóticas interpretações sobre as regras de segredo comercial, segredo industrial e sigilo em geral, a descumprir requisições (isso é, ordens) de informações emanadas do MPF no exercício regular de suas atribuições investigatórias”, diz trecho do pedido que foi entregue à Justiça.
Um dos autores da ação, o advogado Lucas Marcon vê omissão da ANPD nesse processo: “A gente entende que a ANPD foi omissa. Entramos com recurso para acompanhar o procedimento e foi negado. O MPF também entrou com pedido para participar e foi negado. Então pedimos na ação apresentada à Justiça que esse procedimento administrativo que está em sigilo seja apresentado para vermos o que aconteceu e cobrar a responsabilização, se for o caso.
Essa é a primeira vez que a ANPD é acionada na Justiça por suposto descumprimento de seu papel. Procurada, a ANPD não respondeu até o fechamento da reportagem.
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