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‘É preciso manter os sonhos aquecidos’, diz Renato Freitas, após sucesso da vaquinha

"O mundo cinzento está de ponta cabeça, como disse o poeta, mas está grávido de um outro mundo possível. Nós seremos os parteiros", diz o deputado do PT.
01/11/2023 | 10h40

Por Chico Alves

A mobilização da comunidade do ICL em apoio ao trabalho social do deputado paranaense Renato Freitas (PT) levou, ontem, a vaquinha organizada por Eduardo Moreira a uma arrecadação impressionante. A meta de R$ 300 mil estabelecida para o crowdfunding foi alcançada em uma hora. No meio da tarde, a vaquinha, iniciada às 8h30, já tinha chegado a R$ 500 mil.

Uma nova meta foi estabelecida: R$ 800 mil. Mais uma vez, a comunidade ICL participou com força: a vaquinha foi encerrada com valor que vai ultrapassar R$ 950 mil (uma parte das doações ainda vão passar por compensação bancária)..

Com o dinheiro arrecadado, Renato Freitas pretende estender o atendimento do centro em que recebe 300 pessoas em situação de risco social. No local, eles podem encontrar alimentação, espaço para tomar banho, cursos, avaliação médica e outros serviços. A falta de recursos, no entanto, vinha limitando o trabalho ou inviabilizando alguns atendimentos.

Professores voluntários dos cursos, por exemplo, estavam faltando por falta de dinheiro para a passagem. O espaço para higiene pessoal é pequeno para a grande demanda. Além disso, vários projetos que Renato quer desenvolver não saíam do papel.

Agora, com o resultado da vaquinha, o espaço mantido pelo deputado poderá se transformar em centro social de referência no país. Por isso, apesar das ameaças de agressão e morte que recebe, e dos ataques de que é alvo na Assembleia Legislativa do Paraná, o principal tema dessa entrevista de Renato Freitas ao ICL Notícias é a esperança.

ICL Notícias – Como interpreta a mensagem passada por essa participação maciça na vaquinha em apoio ao centro social que você mantém em Curitiba?

Renato Freitas – Eu recebi o convite para a vaquinha com grande alegria porque sei da obra do Eduardo, do alcance, da força do ICL Notícias enquanto canal de comunicação e instituto de formação. É sabida a qualidade da semente que é plantada ali todos os dias. Semente da verdade, da luta pela justiça, pela informação a favor daqueles que são todos os dias descartados oprimidos, humilhados, explorados, assassinados. É uma árvore de bom frutos.

Confiamos na tarefa da vaquinha e não poderia ser outro o resultado. No início, tivemos uma meta bem ousada, mas logo nas primeiras horas a gente superou, passou de meio milhão de reais. Isso comunica para nós que há um número muito grande de pessoas dispostas a arregaçar as mangas, a se juntar no front da luta pela justiça, que infelizmente não é o caminho mais largo, cômodo, confortável. É o caminho mais estreito, com muitos riscos, incômodos. Mas também satisfatório, porque quem luta pela vida se sente também um pouco mais vivo.

E essa mensagem de vida, passada por todas as pessoas que doaram para nós, com certeza traz esse pensar ao coração, às mãos, aos pés, à cabeça, ao nosso olhar para o mundo cinzento, de ponta cabeça, que, como disse o poeta, está grávido de um outro mundo possível. E nós seremos os parteiros.

Fale de algumas prioridades no uso desses recursos, dos seus planos para o centro social.

O próximo passo é ampliar a padaria, fazer uma cozinha de fato industrial que ganhe autonomia para que nós não precisemos nem comprar comida, nem receber doações. Que a gente consiga, agora, servir todas as refeições e produzi-las lá mesmo, no núcleo. Também a criação de uma biblioteca e um centro de formação com computadores, para as aulas justamente que o ICL oferece, com videoconferência, para as aulas online que serão ministradas ali mesmo, no núcleo, por professores voluntários.

Um programa de formação de lideranças populares, que nós já tínhamos projeto e que agora teremos oportunidade de fazer, inclusive visando as eleições municipais. Mas também lideranças de grupos de moradores, de organização de ONGs, enfim, lideranças populares que atuem aí como um elo nessa corrente de transformação do mundo.

Além disso, o espaço de esportes, ali, que ficou um pouco abandonado porque necessitava de uma estrutura maior, tanto as artes marciais, quanto o ioga e outros esportes. Teremos aulas de xadrez agora, de desenho…

Vai ter um estúdio de gravação, muito importante. Um estúdio de gravação, porque nós temos oficina de música ali, de diversos gêneros musicais. Um estúdio tem um preço elevado, aí, agora a gente vai ter condição de oferecer. Vamos fazer também um podcast para que a comunidade consiga se comunicar entre si, e um jornal impresso. Vamos ver a possibilidade de comprar um uma prensa, algo do gênero, em que a gente consiga fazer um jornalzinho local.

Vamos fazer também o Instituto de Cinema Popular, que já existe enquanto turma, tocado por professores da própria faculdade de cinema, da Faculdade de Artes do Paraná, profissionais de primeiríssima qualidade, mas que improvisavam ali já que não tem som, câmeras, né? Não tem nada da estrutura necessária. Então, era o material deles mesmos. Agora não, agora a gente vai ter um instituto de cinema ali com o material necessário. Vamos produzir. Então, vamos colocar em prática essa ideia de comunicar, de formar politicamente. Os serviços prestados vão no sentido de que as pessoas se mantenham vivas mas, também, se desenvolvam conforme o papel que elas ocupam na sociedade.

Você acha que ações como essa, de mobilização da sociedade civil, podem forçar os governantes a fazerem ações sociais que hoje não fazem?

Com certeza. Essa é uma ação que deveria ter sido realizada pelo Poder Executivo. Mas como o próprio Executivo, infelizmente, é cúmplice nessa sabotagem realizada às populações mais vulneráveis, à população pobre de modo geral, então eles preferem, em vez de combater a pobreza, combater os pobres.

No caso da população em situação de rua, criminalizá-los com arquitetura hostil, retirar os pertences deles, lavar as praças nas madrugadas, varrê-los do centro como se fossem sujeira. No caso da população egressa do sistema carcerário, “bandido bom é bandido morto”. Se tem passagem pela polícia, então já há uma desqualificação absoluta do valor da vida dessas pessoas, né? Também não há uma ação para as mulheres que sofrem violência doméstica e que não conseguem ser acolhidas pelo Estado pelo mesmo motivo. O sistema branco patriarcal e rico, que faz com que a vida das mulheres, quando pobres, não tenha nenhum valor.

Então, o Estado é cúmplice desses crimes. Por isso, é necessário que a sociedade civil se organize, ganhe força pela união que advém da organização e construa esses projetos, e mostre os caminhos para o Executivo. Porque não é por inocência que eles não fazem. E isso mostra os caminhos para o resto da sociedade não organizada, para eles entenderem que o poder de fato pertence ao povo, que o exerce diretamente, subsidiariamente, indiretamente a partir de seus representantes

E tenho certeza que essa iniciativa servirá de referência, de espelho, para outras pelo Brasil afora. “É possível”, esse é o recado que nós queremos mandar.

Você acredita que a visibilidade cada vez maior que você está tendo pode realmente ajudar a protegê-lo das ameaças que vem sofrendo?

Olha, eu acredito que a visibilidade, que é produto dessa atuação ousada de enfrentamento aos donos do poder, portanto conflituosa, coloca a nossa vida em risco. Porém, a hipervisibilidade, com o engajamento de cada vez mais pessoas com as nossas ações, projetos, ideias, que têm graças a Deus uma capacidade de convergência muito grande, nos traz segurança. Com toda certeza.

Já que estamos falando de esperança, quer deixar alguma mensagem de alento para aqueles que acompanham a sua luta?

Como diz o poeta, é preciso um coração em chamas pra manter os sonhos aquecidos. Que a gente tenha a capacidade de acender fogueiras e iluminar os lugares onde passamos, para que a gente consiga sair dessa noite escura e tenebrosa na qual a humanidade está submersa.

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