Por Carolina Bataier — Brasil de Fato
Com um salto que bateu a marca de 1,92 m, a brasileira Valdileia Martins celebrou duas conquistas. Ela garantiu a vaga na final do salto em altura nas Olimpíadas de Paris e igualou o recorde brasileiro feminino mais antigo da modalidade, alcançado por Orlane Maria dos Santos, em 1989. Tudo começou em um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
A morte do pai, que faleceu na última segunda-feira (29), quase fez a competidora desistir da disputa. “Eu tô aqui agora por ele, porque por mim eu tinha ido embora”, lamenta a atleta. Vítima de um enfarte fulminante, Israel Martins, pai de Valdileia, foi um grande incentivador da carreira da filha. Ele e a companheira, Neusa Querino Martins, criaram os oito filhos nas terras do assentamento Pontal do Tigre, organizado pelo MST, no município de Querência do Norte, no Paraná.
Junto dos irmãos, Valdileia ajudava o pai na lavoura de algodão e, no horário escolar, praticava esportes, sempre com incentivo dele. “Nosso pai gostava de esporte e apoiava”, conta Marcelo Martins, irmão da competidora. “Quando ela foi começar a saltar, meu pai foi levar”, lembra.
Início em escola para assentados do MST
Quem notou o talento da atleta foi o professor de educação física Flávio Rodrigues dos Santos, que lecionava no Colégio Estadual Centrão, uma escola rural onde estudavam crianças assentadas, filhos de pescadores e outros de moradores da região. “Havia jogos colegiais todo ano e as crianças queriam ter oportunidade de participar, só que a gente não tinha estrutura para formar times de esporte coletivo”, lembra.
A saída foi investir nos esportes individuais. Sem estrutura para os treinos, o professor usava o que tinha em mãos para ajudar os alunos. Nas competições de revezamento, o bastão era uma espiga de milho. No salto em altura, a barra foi adaptada com uma vara de pescar. Para reduzir o impacto das quedas, o treinador encheu sacos de milho com palha de arroz e fez os colchões.
Em 2003, quando venceu sua primeira competição fora da escola onde treinava, nos Jogos Escolares do Paraná, em Curitiba, Valdileia tinha os pés descalços. “As alunas que competiram com a Valdileia eram de escola particular, tudo bem arrumadas, com sapatilha, com roupa adequada, porte físico”, lembra o treinador.
Enquanto as adversárias saltavam usando o método Fosbury Flop, que consiste em um movimento feito de costas, com o corpo formando um arco, Valdileia saltava de frente, com o método tesoura, considerado menos sofisticado. Mas o esforço da adolescente, então com 13 anos, a levou para o alto. Ela ultrapassou a marca de 1,43 m, ficou entre as finalistas e garantiu uma vaga nos jogos colegiais brasileiros, em Brasília.
De salto em salto, 21 anos depois, a esportista chegou aos jogos mundiais. Neste domingo (4), Valdileia disputa a final em Paris. Emocionada, ela lembra do incentivo recebido ao longo do caminho. “O professor Flávio foi o começo, foi ele que me descobriu”, diz. “Se ele não tivesse me descoberto, eu não seria uma atleta”.
A decisão de permanecer na disputa após a notícia da morte de Israel é, também, uma homenagem ao pai. “Eu sou forte hoje graças ao meu pai e a minha mãe, que sempre me incentivaram a quebrar barreiras”, diz. “Acho que ele sente orgulho de mim, de tudo que eu tô fazendo”, conclui.
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