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Paraisópolis se organiza contra ações da PM que espalham o terror no bairro

Operações violentas da PM na favela completam cinco meses, com denúncias de agressões, torturas e invasões; lideranças comunitárias e entidades criaram comitê de crise para combater a violência do governo Tarcísio
06/08/2024 | 13h10

Por Glória Maria — Ponte Jornalismo

Enquadros violentos nas ruas, invasões sem mandado nas casas, uma criança ferida no olho, um jovem morto a tiros, bombas de gás atiradas em vielas estreitas, bailes funks abreviados e festas juninas encerradas formam o saldo de uma operação contínua de terror que, segundo denúncias de moradores, vem sendo tocada há quase cinco meses na favela de Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, pela Polícia Militar do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Favela de Paraisópolis à noite. (Foto: Gustavo Lira)

As últimas cenas de violência foram registradas na noite de domingo (4/8) em vídeos gravados por moradores, que mostram policiais espancando pessoas com golpes de cassetete e arrastando uma mulher aparentemente desfalecida pela rua.

A série de ações violentas da PM em Paraisópolis, contudo, começou muito antes, em abril deste ano, segundo o relato de pessoas da comunidade.

Comitê de crise de Paraisópolis

As denúncias de moradores levaram entidades de direitos humanos, parlamentares e a Ouvidoria das Polícias a criar um comitê de crise para apurar os casos de violência policial.

“A ideia do comitê nasceu da necessidade de uma ação coletiva. A iniciativa demonstra a força de uma comunidade unida e que os problemas enfrentados não são isolados. Todos, de alguma forma, estão sofrendo com isso”, explica uma liderança comunitária, que preferiu não se identificar. “Essas ações policiais têm efeitos estruturais profundos, afetando não só a segurança, mas também a educação e a saúde da comunidade. Além disso, as atividades sociais, como as aulas das crianças e jovens, estão sofrendo impacto.”

Desde a criação do comitê, entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB/SP) e a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio vêm participando de suas atividades e buscando ampliar a visibilidade das reivindicações. O nome “Paraisópolis Exige Respeito” foi retomado de um movimento similar que ocorreu em 2009, reforçando a continuidade da luta por direitos e dignidade.

Claudio Aparecida Silva, ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, comenta que as entidades que apoiam o comitê, como a própria Ouvidoria, o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Instituto Sou da Paz, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e parlamentares de diferentes partidos, têm recebido diversos relatos sobre a situação que a comunidade de Paraisópolis vive em sua relação com a polícia.

“Com a escuta que realizamos estamos preparando um dossiê e pretendemos pedir uma audiência com o procurador-geral de justiça e entregar uma via desse documento. Também acionaremos a Defensoria Pública, em razão do seu papel na tutela coletiva”, afirma o ouvidor.

Uma das primeiras vítimas: uma criança de sete anos

Um dos primeiros casos da onda de violência desencadeada neste ano pela Polícia Militar ocorreu em 17 de abril, quando uma criança de 7 anos foi ferida no olho direito durante uma ação policial enquanto sua mãe, Luana Carmo, caminhava para deixá-la na casa de uma vizinha, antes de seguir para o trabalho. Segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), os policiais afirmaram terem sido recebidos a tiros por suspeitos. O caso aconteceu na rua Ernest Renan, uma das principais vias da comunidade.

Viela da favela de Paraisópolis. (Foto: Gustavo Lira)

Uma testemunha disse que os PMs atiraram sem necessidade. “Eu estava subindo para trabalhar quando vi os policiais entrando e já atirando. Não houve abordagem, só tiros”, afirma.

O caos tomou conta da rua quando os disparos começaram. A mãe da criança tentou proteger o filho, mas ele acabou sendo atingido no rosto. “Vi a mãe desesperada, segurando o menino, que estava com o rosto cheio de sangue e gritando muito”, conta a testemunha, que também se jogou no chão para se proteger.

Diante da situação, a testemunha tentou confrontar os policiais. “Comecei a gritar com eles, dizendo que isso não era certo, que eles tinham atingido uma criança”, explicou. Os PMs, no entanto, reagiram com hostilidade, empurrando-a e mandando que calasse a boca. Até que um dos policiais finalmente pegou a criança e a colocou na viatura, levando-a para a Assistência Médica Ambulatorial (Ama) Paraisópolis, com a mãe ao lado, em estado de choque.

A testemunha afirma que os PMs também teriam adulterado a cena do crime. “Os policiais militares colocaram uma faixa de impedimento, ninguém podia subir ou descer. Recolheram todas as cápsulas de bala, o que deveria ser feito pela perícia”, afirmou.

Morto a tiros

Dezenove dias depois do tiroteio que feriu a criança, outra violência aconteceu na mesma rua, na altura do Baile da DZ7 — cenário do Massacre de Paraisópolis, quando uma operação policial contra o baile terminou com a morte de nove jovens — e próximo a duas escolas estaduais, em 6 de junho. Um homem foi morto em uma ação da PM após reagir a um enquadro e se atracar com dois policiais.

O caso aconteceu alguns minutos antes de as crianças serem liberadas das escolas e causou o cancelamento de aulas, além de espalhar desespero entre os pais que buscavam os filhos.

Uma moradora afirma que viu inúmeros abusos desde o início das operações. “A polícia tem invadido casas de moradores sem mandado algum, tem realizado enquadros violentos com ameaças de forjamento, tem apontado fuzil na cara de moradores andando no dia a dia e tem colocado a vida das nossas crianças em risco, inclusive à noite, nas portas de escola do ensino médio, apavorando estudantes, dizendo que vai ter toque de recolher, o que deixa os estudantes desesperados. O medo tem se feito presente em Paraisópolis”, diz.

A moradora comenta que muitos vizinhos, amigos e conhecidos já passaram por algum tipo de violência policial dentro da comunidade, “A polícia já até afirmou que quem for de bem que vá embora do Paraisópolis. Estão nos tratando como bandidos. Querem que a gente saia e deixe tudo que construímos”, relata.

Sem festa junina

Junho é mês de quermesse na comunidade, momento de celebração da festa junina, festa tradicional realizada pela Paróquia São José, na Rua Itajubaquara, mas que neste ano precisou diminuir a quantidade de dias da celebração por conta da truculência policial.

Um morador relata que policiais armados com fuzis tentaram entrar na festa, que contava com a presença de crianças, idosos e famílias inteiras, apenas para se divertirem com a música típica das festas juninas. A intervenção foi contida pelo padre local, que conseguiu dialogar com os policiais e evitar uma invasão imediata. No entanto, os PMs permaneceram na entrada da festa, armados e com escudos, criando um clima de intimidação, enquadrando moradores e criando tensão entre os participantes. Depois disso, os dias de festa junina foram abreviados.

Paisagem da favela de Paraisópolis. (Foto: Gustavo Lira)

A presença policial em Paraisópolis também tem sido marcada por bombas de gás lacrimogêneo lançadas em vielas sem saída, afetando moradores com deficiência, idosos e pessoas com problemas respiratórios. Relatos indicam que as operações são realizadas em horários imprevisíveis, muitas vezes durante a madrugada, o que aumenta o medo e a insegurança na comunidade. “Por que Paraisópolis está sofrendo com essa ação tão truculenta? Por que não há uma explicação clara para o que está acontecendo?”, questiona um morador.

No noite de 30 de junho, um jovem de 18 anos foi baleado pela polícia em frente de casa enquanto carregava uma garrafinha de lança-perfume. A mãe relata que seu filho, assustado, tentou esconder a garrafa, mas os policiais acreditaram que ele estava armado e dispararam seis tiros, acertando quatro vezes sua perna. Segundo a mãe, o boletim de ocorrência indica que o jovem estava com uma arma calibre .40, uma acusação que ela refuta, afirmando que os policiais teriam “plantado” a arma com ele.

“Meu filho é usuário, ele não tem envolvimento e nem passagem pela polícia. A própria polícia forjou meu filho”, afirma. Após o tiroteio, os policiais impediram a família de ver o jovem, alegando que ele havia sofrido um acidente e não estava ferido. Ele foi levado direto ao Hospital Campo Limpo, onde foi operado sob escolta policial e mantido algemado. Com a ajuda de um advogado, a família conseguiu liberar o jovem.

O que dizem as autoridades

Sobre as imagens de abusos gravados ontem por moradores, a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública afirmou que “a Polícia Militar instaurou Inquérito Policial Militar (IPM) e apura todas as circunstâncias dos fatos”. A nota sugere que o governo reconhece que houve abusos: “A conduta dos policiais que aparecem nas imagens não condiz com as práticas da Instituição e as devidas medidas serão tomadas”.

Por outro lado, a nota da SSP não explica as cenas de violência registradas no final de semana e se limita a esclarecer um episódio pontual. “De acordo com o boletim de ocorrência, na ocasião, os policiais militares estavam em diligências durante a Operação Paz e Proteção, quando um homem de 24 anos, demonstrou resistência a uma abordagem. O homem precisou ser contido e foi encaminhado à delegacia. Posteriormente, equipes da PM foram hostilizados e um policial ficou ferido, sendo socorrido ao PS Municipal. As partes foram ouvidas na delegacia e liberadas. O caso foi registrado como desobediência e lesão corporal decorrente de intervenção policial no 89° DP (Jardim Taboão)”, afirma a nota. A Operação Paz e Proteção é o nome dado pelo governo Tarcísio para as ações de repressão aos bailes funk.

Sobre o jovem morto em 6 de junho, a SSP afirmou, na época, que os policiais reagiram após a vítima ter arrancado a arma de fogo de um deles e atirado, ferindo dois PMs. E acrescentou: “A Corregedoria da PM está à disposição para registrar e apurar eventuais denúncias contra seus agentes. Confirmada qualquer irregularidade, o policial envolvido será responsabilizado”.

 

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