Por Constança Rezende e Mateus Vargas
(Folhapress) — A Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional da Câmara dos Deputados distribui verba bilionária de emendas conforme orientações repassadas por uma assessora de confiança do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e com destino desconhecido por membros do próprio colegiado.
Mensagens obtidas pela Folha mostram que a advogada e assessora parlamentar Mariângela Fialek, que hoje atua na liderança do PP, enviou à cúpula da comissão listas prontas de municípios que deveriam receber obras e maquinário pagos por meio de emendas da comissão, que tem disponíveis um total de R$ 1,1 bilhão.
Os documentos encaminhados por Fialek são minutas de ofícios. Tais listas foram posteriormente assinadas pelo presidente da comissão, o deputado José Rocha (União Brasil-BA), e direcionadas ao MIDR (Ministério da Integração Nacional e do Desenvolvimento Regional), que é a pasta que executa as emendas.
De acordo com as mensagens, Fialek envia à comissão arquivos intitulados “minuta de ofício, indicação de beneficiários RP8- Integração”, com a lista de municípios e estados que deveriam ser beneficiados pelas emendas.
Nas conversas, ela alerta assessores de ministérios sobre a impossibilidade de eles empenharem valores diferentes dos que tinham sido combinados. Fialek chega a reclamar que há diferença entre os recursos da lista que havia enviado à comissão e os montantes da relação que chegou ao Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), órgão ligado ao MIDR.
Procurada por mensagem de telefone, e-mail e por meio da assessoria de imprensa da Câmara, Fialek não respondeu sobre por que participa da distribuição das emendas. O presidente da Câmara também não quis se manifestar.
Fialek recebe R$ 22,3 mil mensais para atuar na liderança do PP na Câmara. Até 2023, ela também acumulava o cargo de conselheira fiscal da Codevasf, estatal que executa parte das emendas da comissão presidida por José Rocha.
Divisão de emendas contraria parlamentares
A maneira como é feita essa divisão tem contrariado parlamentares da comissão, que dizem não conseguir recursos para suas cidades, além de não saber para onde foram as emendas e de quem são suas autorias.
O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA), integrante do colegiado, disse à reportagem que não foi consultado e nem sequer sabia que o recurso já estava sendo empenhado. “Se pudesse, indicaria [emendas]. Não participei de nada.” Ele afirmou que irá questionar qual foi o critério usado para distribuir a verba.
Também integrante titular da comissão, Silas Câmara (Republicanos-AM) declarou não ter sido consultado sobre as emendas. “Não participei, não estou sabendo nem fui comunicado de nada.”
A assessoria da Câmara afirmou que a competência para indicar qual estado ou município vai receber a verba de emendas de comissão é do presidente do próprio colegiado. Disse ainda que não há trâmite legal específico para as indicações, que são feitas por ofícios direcionados aos ministérios.
Deputados da cúpula de duas comissões relataram à Folha, no entanto, que os recursos das emendas também têm sido distribuídos conforme decisões de líderes dos partidos.
Critério deveria seguir políticas públicas
A assessoria da Câmara disse ainda que as emendas de comissão devem propor ações relacionadas à sua competência temática — como Saúde, Educação, Desenvolvimento Regional, entre outros temas — e seguir o que orienta a resolução número 1, de 2006, da Casa.
Pela norma, as emendas de comissão devem ter critérios de aplicação amparados em políticas públicas nacionais ou setoriais, ter caráter institucional e representar interesse nacional.
A mesma resolução exige ata da reunião que decidiu pela apresentação da emenda e dados que justifiquem a aplicação do recurso.
Formalmente, as comissões aprovam emendas genéricas ao Orçamento, sem indicar qual local será beneficiado. O destino da verba é decidido, em geral, por ofícios enviados pelo presidente do colegiado a ministérios.
Conforme a Folha noticiou, a Comissão de Integração Nacional favoreceu Alagoas, estado que é base eleitoral de Lira, na divisão das indicações parlamentares de 2024.
Prefeituras e o governo alagoano devem ser o destino de ao menos R$ 320 milhões, do total de R$ 1,1 bilhão em emendas da comissão. O valor supera a soma da verba indicada pelo mesmo colegiado a 19 outros estados.
A falta de informações sobre o real autor das indicações está sob a mira do STF (Supremo Tribunal Federal).
Na última semana, o ministro Flávio Dino determinou a suspensão do pagamento de emendas sem transparência. A corte ainda avalia se o Congresso turbinou os recursos das comissões justamente para driblar o veto às chamadas emendas do relator, que foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo em 2022.
No Orçamento de 2024 há mais de R$ 15 bilhões para as indicações dos colegiados. A comissão comandada por José Rocha é a segunda com mais verba na Câmara dos Deputados, atrás do colegiado da Saúde, que tem orçamento de R$ 6,1 bilhões.
Em 2022, o valor reservado às emendas de comissão era de cerca de R$ 300 milhões. Subiu para R$ 6,8 bilhões no ano passado.
O presidente da Câmara tem defendido o uso dessas emendas e dito que parlamentares “não foram eleitos para serem carimbadores” das propostas do Executivo e que o Orçamento da União deve ser construído em contribuição com o Legislativo.
A Secretaria de Relações Institucionais do governo Lula respondeu que a definição da distribuição de valores de emendas parlamentares entre as comissões e as próprias Casas Legislativas é de competência do Poder Legislativo.
Também afirmou que a indicação de beneficiários, caso ocorra, deve ser tratada pelos presidentes das comissões por meio de ofício enviado aos órgãos setoriais do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal responsáveis pela execução das emendas.
Já o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional disse que, conforme portaria de abril deste ano, os autores das emendas classificadas como RP7 (de bancada) e RP8 (de comissão) deverão enviar ofício aos órgãos setoriais, “não havendo nenhuma interferência desta pasta ministerial quanto à definição dos municípios”.
Também afirmou que as propostas e indicações cadastradas ou apresentadas pelo gestor devem estar em consonância com a Política Nacional de Desenvolvimento Regional.
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