Por Gustavo Cabral *
Em meio às discussões sobre o impacto do contato humano para nossa saúde, surge a necessidade de explorar cientificamente os benefícios do toque. Um estudo recente publicado na Nature Human Behaviour se dedicou a investigar profundamente esses efeitos, reunindo dados de mais de 12 mil participantes por meio de revisão sistemática e análise multivariada.
A relevância desse tema ganha destaque especialmente diante da pandemia de Covid-19, que exacerbou problemas de saúde mental devido ao distanciamento social e à falta de interações interpessoais. Julian Packheiser, pesquisador da Universidade de Ruhr, na Alemanha, observou que o toque, quando consentido e aplicado em adultos e crianças, pode reduzir sintomas de depressão, ansiedade e dor. No caso de recém-nascidos, o contato físico, especialmente quando realizado pelos pais, não só promove o ganho de peso como também é crucial para um desenvolvimento saudável.
A pesquisa destacou que sessões regulares de toque, como quatro sessões de 20 minutos, melhoram significativamente a saúde física e emocional. Aumentar a frequência dessas sessões proporciona benefícios adicionais, enquanto a prolongação excessiva não demonstrou resultados positivos. É interessante notar que o toque humano supera estímulos promovidos por objetos ou robôs, mostrando-se mais eficaz para a saúde mental.
Além disso, a natureza do toque não parece ser tão crucial quanto a sua simples presença: massagens específicas, carícias ou toques leves proporcionam benefícios semelhantes. Em um mundo cada vez mais digital e voltado para as redes sociais, compreender esses aspectos torna-se essencial para promover um equilíbrio saudável entre tecnologia e interações humanas.
À medida que avançamos no entendimento dos impactos do contato social e do toque, a aplicação desses conhecimentos pode transformar não apenas a saúde individual, mas também as políticas públicas e práticas de cuidado.
Compreender e promover interações físicas saudáveis pode ser uma chave fundamental para enfrentar desafios contemporâneos de saúde mental e emocional.
Para ampliar essa compreensão, conduzi um diálogo com o Dr. René Gleizer, médico neurologista especialista em neurologia da cognição e do comportamento pelo Hospital das Clínicas da USP, buscando insights adicionais sobre o assunto.
ICL Notícias: Dr. René, como seria possível explicar neurologicamente os resultados obtidos pelo estudo?
Dr. René Gleizer: O toque estimula os receptores presentes na pele que informam o cérebro e este quando interpreta como um estímulo prazeroso estimula o processamento desta emoção em uma área específica do encéfalo chamada de sistema límbico. Este sistema composto pelo giro do cíngulo e giro parahimpocampal interagem com a amígdala que estimula regiões específicas do hipocampo. O hipocampo coordena o padrão de resposta fisiológica e hormonal consequente ao toque agradável, reduzindo os níveis sanguíneos de cortisol (hormônio do estresse), ativa o sistema parassimpático (reduz a frequência cardíaca e a pressão arterial) e aumenta a produção de ocitocina (hormônio que promove contração uterina no parto e estimula a amamentação, sendo interpretado como relacionado ao amor, bem-estar e união).
Existe algum grupo de pessoas que teriam maior proveito para saúde com o toque. Se sim, quais e por quê?
Em relação ao toque aplicado em pessoas saudáveis ou doentes houve benefício do para ambos, porém foi maior na saúde mental nos adultos doentes em relação aos saudáveis, principalmente naqueles com doenças neurológicas do que em outras condições clínicas. Indivíduos doentes (principalmente doença crônica/neurológica) estão em maior risco de isolamento, solidão e falta de constato físico. Consequentemente sofrem mais de depressão e ansiedade. Assim, este grupo teria maior necessidade de contato físico e consequentemente alcançaria mais resultados para a saúde.
O que este estudo poderia mudar na prática diária dos profissionais da saúde que lidam com pacientes doentes e teoricamente mais necessitados do contato físico? Você percebe algum resultado desta prática na sua rotina como neurologista?
Os profissionais da área da saúde, principalmente dentro dos hospitais, têm sido sobrecarregados com o número crescente de pacientes e os cuidados assistenciais diretos na beira do leito Somado a isto vem aumentando as demandas burocráticas de protocolos e relatórios intermináveis na frente do computador.
Embora, um dos resultados intrigantes do artigo, informa que o toque quando realizado em adultos e crianças, até mesmo por pessoas fora do convívio social habitual, como profissionais da área da saúde, tem efeito similar com ótimos resultados. O que reforça que aplicação do toque permitido, realizado de forma rotineira e sistemática deve ser estimulado entre os profissionais da área da saúde para melhorar o bem-estar da população.
Existiria algum cuidado ou precaução em relação ao toque e a forma que deveria ser aplicado?
Sim. O nível de prazer e bem-estar associado ao toque é modulado por vários parâmetros, incluindo aceitabilidade cultural, contexto onde e quando o toque é aplicado ou a real necessidade do estimulo. Toque na cabeça, como massagem na face ou no coro cabeludo são especialmente benéficos para saúde física, comparado com braço e tronco. Provavelmente devido ao número de terminações nervosas nestes locais e maior área de representação no córtex cerebral destas partes do corpo. Quando aplicado de forma unidirecional foi mais benéfico para a saúde mental.
Porém, deve ser lembrado que o toque inoportuno pode ser considerado invasivo e um fator estressor, apresentando o efeito oposto ao desejado.
*Imunologista PhD e Coordenador de Pesquisa no Departamento de Infectologia e Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da USP, para o desenvolvimento tecnológico de vacinas aplicadas contra Covid-19, Chikungunya, Zika e Dengue vírus.
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