Por Chico Alves
Um dos signatários da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que resultou na liminar do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), depois reiterada em plenário, que travou a farra das emendas parlamentares, vê como positivo o resultado da reunião feita ontem entre integrantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para tratar do assunto.
O advogado Walfrido Warde alerta, porém, que foram apenas delineados os parâmetros de um acordo que poderá fazer com que esse processo ganhe mais normalidade. Tudo vai depender do texto que será apresentado em dez dias. Segundo ele, essa discussão poderá restituir ao presidencialismo brasileiro a governabilidade, mas é preciso que a sociedade fique atenta para o que Legislativo e Executivo vão apresentar como proposta.
ICL Notícias — Como o sr. avalia o resultado da reunião entre representantes dos três poderes para modificar a forma de execução das emendas parlamentares?
Walfrido Warde — Esse acordo entre os poderes é para dar cumprimento à liminar proferida na nossa Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). O acordo determina o seguinte: o Parlamento não pode mais, por meio da Comissão Mista do Orçamento, fazer emendas à Lei Orçamentária que determine despesas impositivas. Ou seja, os parlamentares não poderão determinar gastos orçamentários de maneira absolutamente discricionária, como acontecia. Em razão das emendas constitucionais de 2015, 2020 e 2022
A partir de agora, essas emendas têm que se submeter a vários critérios de transparência. Essas despesas eram tão pulverizadas e em valores que no conjunto são estratosféricos, mas com a pulverização, tão baixos que passam debaixo do radar dos tribunais de contas dos municípios, dos tribunais de contas do estado, das procuradorias, do MP e assim por diante. Além de transparência, que mostram para o que serve a despesa e para onde ela vai, ela também tem que estar compassada com critérios de desenvolvimento nacional e regional. Além disso, a emenda parlamentar tem que ser objeto de concordância do Executivo, o governo tem que concordar com ela.
Só isso já acaba com a impositividade e confere o poder de barganha ao presidente e ao Executivo que eles tinham perdido, para malograr o nosso presidencialismo de coalizão, para submeter o Executivo ao Legislativo. Não vamos ter, com esse acordo, a restituição do status quo anterior, mas vamos ter uma situação de reequilíbrio de forças e de maior harmonia entre poderes de Estado.
No texto de análise assinado pelo sr. e os advogados Rafael Valim e Pedro Serrano, sobre o resultado da reunião entre os poderes, está dito que esse acordo “pode” dar cabo às emendas impositivas no seu sentido atual. Isso quer dizer que não é certo que isso vá acontecer.
Na verdade, hoje (ontem) foi delineado um acordo. Foi feita uma regulação entre Legislativo e Executivo para fazer isso que foi delineado. Então, em primeiro lugar, essa regulação precisa estar em ordem. Obviamente que o Legislativo vai tentar puxar a brasa para a sua sardinha, o Executivo para a dele. Pode ser que em dez dias eles não consigam chegar ao denominador comum ou mesmo o ministro Flávio Dino pode entender que esse acordo que levou a uma regulação não atende aos critérios da liminar. Pode dizer: essa regulação nova que vocês trouxeram não corresponde ao que a gente combinou aqui naquele almoço. Então, é por isso que eu estou dizendo que “pode dar cabo”.
Além disso, vai depender do julgamento sobre a constitucionalidade das emendas, a ADI. Esse acordo e essa regulação só servem para atender à determinação do Flávio Dino que foi convalidada e foi respaldada por unanimidade no pleno do Supremo Tribunal Federal. Ainda virá, deverá advir, um julgamento no Supremo sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das emendas constitucionais 2015, 2021 e 2022.
Se eles cumprirem o que foi delineado na reunião, aí dará fim à impositividade, que é: o Legislativo mandou, o Executivo tem que pagar. Isso deixa de existir como foi concebido pelo Eduardo Cunha, pelo Luiz Eduardo Alves e pelo Arthur Lira.
Ou seja, é preciso então que a sociedade acompanhe de perto para saber se o texto desse acordo vai seguir o que prevê a Constituição, não é?
Não tenha dúvida. E nós também fiscalizaremos. Quando esse acordo sair, nós vamos dizer ao ministro Dino ou ao Supremo: eles não cumpriram ou eles cumpriram. Ou: isso funciona ou não funciona. E entendam que isso não põe fim à ação. Apenas cumpre a liminar. E esse cumprimento acordado entre os poderes, a depender do seu conteúdo, pode pôr fim às emendas.
O ministro Barroso falou ao fim da reunião em tom otimista, mas admitiu que um ponto importante do problema das emendas não tinha sido tocado, que é o valor absurdo.
Isso não foi objeto do delineamento de hoje (ontem). O que saiu da reunião é que concordam que não vai ter mais impositividade. Agora, vai ficar nos R$ 50 bilhões? Esse valor é constitucional ou inconstitucional? Isso não é objeto da liminar do Dino. A liminar é para submeter as emendas a regra de transparência e critérios técnicos e aí por diante.
O acordo fala que além de determinar transparência na fundamentação do gasto e na determinação do gasto, também exige que esse gasto seja compassado com políticas regionais e nacionais. Ou seja, políticas públicas do governo federal.
E quanto a isso quem dará a última palavra será o governo federal?
O pré-acordo feito hoje (ontem) diz que a despesa dependerá de concordância entre os poderes.
Como o sr. vê esse tipo de reunião entre poderes para resolver problemas como o das emendas?
O Artigo 2º da Constituição é fundamento da nossa Ação Direta de Inconstitucionalidade diz: os poderes de Estado são independentes, mas harmônicos. O que nós vimos foi entendimento entre poderes independentes, mas harmônicos. Então, vejo com muita alegria o que aconteceu hoje (ontem). Se tudo der certo, se o que se delineou hoje resultar em um acordo, nós restituiremos ao presidencialismo suas características postas na Constituição de 1988 e daremos ao presidente da República condições de governar.
Eu muito me orgulho de ter participado disso, de ter tido a ideia de ajuizar essa ação, de ter construído essa ação com meus companheiros, de ter convencido o PSOL de ajuizá-la. Seus dirigentes e parlamentares tiveram coragem num momento em que havia possibilidade política de êxito, como se viu com a liminar, referendada unanimemente pelo Supremo, que poderá vir a ser cumprida pelo acordo delineado hoje (ontem).
De qualquer forma, se não sair em dez dias, prevalece a liminar: nenhum pagamento é feito de emendas parlamentares.
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