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Maior operação da história resgata 593 trabalhadores em condições análogas à escravidão

Mulher de 94 anos que trabalhou 64 em regime análogo à escravidão está entre os resgatados
30/08/2024 | 06h39

Por Leonardo Fernandes — Brasil de Fato 

Uma força-tarefa com diferentes órgãos públicos resgatou 593 trabalhadores em condições de trabalho de escravidão contemporânea durante operação realizada em 15 estados e no Distrito Federal entre os dias 19 de julho e 28 de agosto. É o maior número de pessoas resgatadas em uma só operação no país em toda a história.

Os detalhes foram apresentados nesta quinta-feira (29) pelos ministérios do Trabalho e Emprego (MTE), Público do Trabalho (MPT) e Público Federal (MPF); além das polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF) e da Defensoria Pública da União (DPU), que atuaram para realizar a Operação Resgate IV. Foram empregadas 23 equipes de fiscalização e realizadas 130 inspeções.

Operações como essa acontecem anualmente. Minas Gerais desponta como o estado com o maior número de trabalhadores em situação análoga à escravidão, com 291 trabalhadores regatados. Seguido de São Paulo, com 143 trabalhadores, Pernambuco, com 91 e Distrito Federal, com 29. Também houve resgates em outros dez estados.

Escravidão contemporânea

Em Mato Grosso ocorreu o resgate da pessoa mais idosa do Brasil em situação de trabalho escravo, uma mulher de 94 anos. Segundo a força tarefa, ela trabalhou por 64 anos sem salário, sem acesso à educação ou qualquer outro direito. Também há 16 crianças entre os resgatados.

As ações de fiscalização da operação levaram à abertura de mais 33 investigações, totalizando 482 inquéritos policiais em todo o Brasil para investigar esse crime. Minas Gerais lidera com 86 inquéritos, seguido por São Paulo com 66 e Pará com 47. Na operação deste ano, foram realizadas 12 ações com prisões em flagrante, com um total de 16 pessoas presas.

“É inadmissível que ainda tenhamos em 2024 esse tipo de crime porque atua diretamente sobre a dignidade da pessoa humana”, declarou o diretor-geral substituto da PRF, Alberto Raposo, reafirmando que as operações seguirão até a erradicação efetiva do trabalho escravo no Brasil.

De acordo com o balanço apresentado nesta quinta, 72% dos resgatados trabalhavam na agropecuária, com destaque para a produção de cebola, com 141 resgatados, e da horticultura, com 82. Outros 17% dos resgates ocorreram na indústria e cerca de 11% no comércio e serviços.

No contexto urbano, foram 38 trabalhadores resgatados na fabricação de álcool, 24 na administração de obras e 18 em atividades de psicologia e psicanálise. Sobre esta última, foram 18 trabalhadores que atuavam em uma clínica para dependentes químicos e realizavam atividades laborais compulsoriamente como parte da internação.

escravidão

Trabalho escravo tem ‘benefício econômico’

O coordenador geral de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo e Tráfico de Pessoas do MTE, André Roston, afirmou que, como resultado das ações de fiscalização, os trabalhadores resgatados já receberam cerca de R$ 1,91 milhão em verbas rescisórias, de um total estimado em R$ 3,46 milhões, sem levar em conta os pagamentos ainda processo de negociação ou que serão judicializados.

“Esse número dá uma dimensão da efetividade da política pública dessa congregação de competência das instituições para garantir direitos, por um lado. E deixa escancarado o principal motor da exploração do trabalho escravo: um grande benefício econômico ao se adotar essa estratégia de violação de direitos humanos para exploração de trabalho”, disse.

Roston destacou ainda que as denúncias sobre casos de trabalhadores em situação análoga à escravidão no serviço doméstico também vêm crescendo no Brasil.

Estrangeiros resgatados

O chefe de Divisão de Repressão ao Trabalho Forçado, Henrique Oliveira Santos (PF), informou que a maior parte dos estrangeiros resgatados em situações de trabalho análogo à escravidão é de origem boliviana, mas não detalhou em números.

No Rio Grande do Sul, a Operação Resgate IV flagrou quatro trabalhadores argentinos em condições degradantes na extração, corte e carregamento de lenha de eucalipto. Eles não possuíam documentos e não tinham acesso a qualquer direito trabalhista. Segundo a força-tarefa, as vítimas receberam suas verbas rescisórias e retornaram ao país de origem.

Já no Mato Grosso do Sul, 13 paraguaios foram resgatados em situação degradante de trabalho e servidão por dívida em dois estabelecimentos distintos de produção de carvão vegetal.

Roston esclareceu que as pessoas estrangeiras resgatadas podem retornar a seus países ou permanecer no Brasil, ainda que não tenham a situação migratória regularizada, já que a condição de vítima pode ser utilizada para o requerimento da residência permanente.

“Na garantia de direitos, no atendimento às vítimas, a política pública não faz distinção sobre a condição de nacional ou estrangeiro, e também não faz distinção sobre a condição migratória desse trabalhador. Para esse atendimento da vítima de trabalho análogo de escravo e de tráfico de pessoas é irrelevante a condição migratória irregular. A identificação da vítima como uma vítima de trabalho escravo ou de tráfico de pessoas é o ‘start’ para regularização migratória”, declarou.

O que diz a lei?

O Código Penal brasileiro, em seu artigo 149, prevê pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa para quem submeta pessoas a condições análogas à escravidão, “submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador. O crime pode ser agravado se cometido contra crianças e adolescentes “ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”.

Denúncias podem ser feitas através do Disque 100 ou pelo canal da PRF, o 191. Pelo site ComunicaPF também é possível denunciar.

A escolha do mês de agosto para realização da Operação Resgate IV tem como referências o Dia Internacional para a Memória do Tráfico de Escravos e sua Abolição, instituído em 23 de agosto pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco); bem como a data de falecimento do abolicionista Luís Gama (24 de agosto de 1882).

 

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A escravidão dos ricos

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