Por Leandro Demori — Newsletter A Grande Guerra
Bem, todos sabemos: o Twitter foi bloqueado no Brasil. O capítulo do bloqueio é apenas um de uma longa batalha que o empresário Elon Musk vem travando contra a democracia brasileira.
Forçando a mão, negando-se a cumprir ordens judiciais, publicando e-mails corporativos descontextualizados, criando espetáculo e fumaça e — por fim — fechando seu escritório no Brasil, Musk deseja apenas uma coisa: desestabilizar nosso ambiente político para que seus aliados retornem ao poder.
No Brasil, os parceiros de negócios de Musk estão na extrema direita. Seus olhos estão na Amazônia. Seus interesses no Brasil são outros que o Twitter. A rede social é usada apenas como arma política, um fim pra justificar os meios.
Musk não dá a mínima para a liberdade de expressão. Um de seus sócios no Twitter é o príncipe saudita Alwaleed bin Talal al Saud.
De acordo com a Anistia Internacional, a monarquia da Arábia Saudita trabalha para limitar rigorosamente a liberdade de expressão online e é “brutal” na repressão contra cidadãos, usando a internet para perseguir e prender pessoas por expressarem opiniões.
Ainda esta semana eu devo escrever sobre os interesses pecuniários de Musk no Brasil. O que acontece por trás do teatro do Twitter? Vocês estão sendo enganados.
Agora esqueça por um segundo o Twitter
Deixe de lado o que você pensa sobre Musk ou sobre Alexandre de Moraes. Vamos levar a conversa para outro lugar e tentar desmontar o teatro no qual somos apenas espectadores animados (os idiotas que vaiam ou batem palma). Este post pretende levar você, ao menos por um instante, a espiar pela cortina.
O que vemos nos bastidores?
Coube a um deputado bolsonarista descortinar o caso. Pois é, a vida tem dessas coisas. Não que fosse sua intenção, muito pelo contrário. Como mais uma forma de pressão contra Alexandre de Moraes, o coronel Meira (PL-PE) publicou um documento que mostra que Exército e Marinha dependem de serviços do senhor Musk no Brasil, mais precisamente das antenas da Starlink. Uma “prova” de que não podemos mexer com a empresa.
Entenderam? Sim, a comunicação de nossos militares passa pelos satélites de Elon Musk.
As Forças Armadas e Musk
Vejam a resposta do Exército a um requerimento de informação pedido pelo Coronel Meira.
Segundo o Exército, os equipamentos Starlink de Musk são empregados “em operações [de tropas], em Ações Cívico Sociais, em adestramentos [treinamentos], dentre outras atividades”.
“O contrato se justifica pela facilidade, flexibilidade e rapidez que o equipamento da Starlink confere ao estabelecimento dos enlaces de Comando e Controle, proporcionando a devida prontidão estratégica àquele Grande Comando Operacional para ser empregado em todo o território nacional.”
Diz ainda o Exército que “um eventual cancelamento de contrato com a referida empresa, poderá haver prejuízo para o emprego estratégico de tropas especializadas.”
O Exército advoga, ainda, aumentar a parceria (leia-se: contrato a pagamento) “para atender os Pelotões Especiais de Fronteira (PEF), localizados em locais de difícil acesso. Veja o documento:
Qual o problema?
Parece que não aprendemos nada com o caso Edward Snowden. Empresas norte-americanas de tecnologia das comunicações foram denunciadas pelos ex-colaborador da agência de espionagem estatal NSA. Snowden comprovou com documentos internos da própria NSA que essas empresas privadas estavam passando dados, e-mails e até mesmo conversas telefônicas privadas de cidadãos do mundo todo para a NSA de modo ilegal. No Brasil, até mesmo a ex-presidenta Dilma foi grampeada.
As tecnologias de telecomunicações são coalhadas de brechas ilegais, chamadas de “backdoor”. Empresas que fornecem conexão de dados, como bem mostrou Snowden, colaboram historicamente com a máquina estatal dos EUA para os interesses exclusivos daquele país, mesmo que diante das câmeras garantam criptografia e privacidade.
Há um evidente risco no uso da Starlink pelo nosso Exército e pela Marinha. A União Europeia já está de olho nisso, investindo bilhões de dólares em um sistema próprio chamado IRIS² justamente para escapar da rede de Musk.
Nossos navios e a Starlink
Na resposta ao deputado Meira, a Marinha também confirmou que usa a tecnologia Starlink — ela está instalada em diversas embarcações brasileiras. Veja a lista enviada pela própria Marinha ao deputado Meira.
O caso da guerra na Ucrânia
O que acontece quando uma única pessoa detém tanto poder? Já vimos essa história: Musk interferiu na guerra entre Rússia e Ucrânia.
“Elon Musk ordenou secretamente que seus engenheiros desligassem a rede de comunicações por satélite Starlink de sua empresa perto da costa da Crimeia, no ano passado, para interromper um ataque furtivo ucraniano à frota naval russa, de acordo com um trecho adaptado da nova biografia do excêntrico bilionário intitulada “Elon Almíscar”, do autor Walter Isaacson.
À medida que os drones submarinos ucranianos carregados de explosivos se aproximavam da frota russa, “perderam a conectividade e chegaram à costa inofensivamente”, escreve Isaacson.”
Senhor da guerra
As antenas de Musk estão cobrindo hoje quase todas as guerras do mundo, de modo legal ou pirata, do Iêmen ao Sudão, da Ucrânia a Israel. Por mais que a empresa alegue que, em muitos desses lugares, o uso é “não-autorizado”, o fato é que no fim do dia Musk tem controle sobre as comunicações e movimentações de exércitos regulares ou milícias em diversas partes do planeta. Um poder incomensurável.
Voltando a Snowden
O ex-colaborador da NSA mostrou que empresas privadas passaram ilegalmente informações para a agência de espionagem dos EUA. No caso do Brasil, até mesmo a ex-presidenta Dilma foi espionada: números de telefone, e-mails e IPs (identificação individual de um computador) foram monitorados com o servilismo das empresas privadas norte-americanas.
Telebras e a “banda Ka”
O que apurei: nossas Forças Armadas usam a rede de Musk juntamente com uma tecnologia da Telebras, chamada “banda Ka”. Conversei com diversas fontes nos últimos dias para entender o caso. Ambas são usadas ao mesmo tempo, uma servindo de back up da outra. Roda a que “funciona melhor” naquele momento.
Já existe um caso em que uma tecnologia estrangeira foi substituída por nacional. Temos hoje em órbita um satélite geoestacionário que a Telebras administra junto com as Forças Armadas (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas — SGDC).
O satélite da Telebras é usado para vigiar o território brasileiro — antes, alugávamos as informações fornecidas por um satélite norte-americano. A Starlink, por sua vez, roda a comunicação dos nossos militares, mais notadamente Exército e Marinha. Nossos dados estratégicos passam pelo sistema de Musk. É preciso repensar urgentemente essa situação.
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