Por Rogério Sottili*
Desde o fim da ditadura militar em 1985 e com a redemocratização do país, a imprensa brasileira cumpriu o papel fundamental durante as eleições de apresentar candidaturas e propostas, promover debates (mesmos os mais acalorados) e, acima de tudo, apontar distorções e checar informações.
No período eleitoral, o jornalismo precisa se armar para garantir que o debate público não seja capturado por narrativas enganadoras e interesses antidemocráticos. A imprensa deve estar preparada para desmascarar quaisquer tentativas de desinformação e manipulação e, sobretudo, denunciar tentativas de ataque ao estado democrático de direito.
Afinal, as eleições não definem somente os rumos da democracia e das instituições políticas, mas também os rumos de nossas vidas. Porém, atualmente no Brasil e em muitas partes do mundo, os regimes democráticos enfrentam ameaças concretas por parte da extrema-direita, e, é justamente pelo seu papel, que nesse momento a imprensa não pode se dar ao luxo de ser neutra ou omissa. O objetivo do jornalismo reside para além da notícia: é também atuar com a produção de uma informação de qualidade que vise o compromisso e a civilidade democrática, batendo de frente com os que tentam corromper o processo eleitoral.
Mas será que só isso basta em um contexto no qual candidaturas que têm como carro-chefe a barbárie e as mentiras encontram campo livre nas mídias sociais?
Papel do Jornalismo no período eleitoral
Quando o debate público é sequestrado por candidatos que desprezam os direitos humanos e atacam os pilares do estado democrático de direito, a imprensa tem, sim, o dever de tomar partido. Não, evidentemente, a defesa de um candidato ou de uma sigla. Mas o partido da democracia e dos valores que sustentam uma sociedade civilizada. Não se pode tratar candidaturas que representam uma ameaça real à sociedade e à democracia como se fossem apenas uma opção inofensiva do “cardápio eleitoral”.
Além dos desafios tradicionais, a democracia enfrenta hoje o perigo de grupos organizados, milícias digitais inflamadas por alguns candidatos e grupos de extrema direita, que disseminam desinformação e distorcem o debate público, sempre com a intenção clara de manipular eleitores, comprometendo a integridade do processo eleitoral por meio de campanhas de fake news, ataques cibernéticos e do uso de bots para amplificar perigosas narrativas, sem contar financiamentos obscuros e práticas ainda pouco compreendidas pelos poderes regulatórios.
Assim como a Justiça Eleitoral desempenha um papel fundamental para a garantia da democracia, a imprensa deve respeitar suas diretrizes e fazer isso de forma ativa, denunciando com veemência as mentiras contadas em debates e propagandas eleitorais, expondo os interesses ocultos por trás delas e recusando a conivência com quaisquer narrativas que busquem subverter o processo eleitoral. É tarefa do Jornalismo e da imprensa contemporânea buscar pela atualização das formas de se fazer comunicação, devemos estar preparados para desmentir imediatamente qualquer candidato posto em sabatinas, pois as checagens posteriores perdem em tempo para postulantes a cargos públicos que buscam justamente o recorte da imagem e da mentira para se projetarem.
Devemos, ainda, questionar o real papel dos debates transmitidos hoje em dia e quais medidas podem ser consideradas para a preservação daquilo que é o nosso bem maior, a democracia. De que valeria termos candidatos, ainda que bem posicionados nas pesquisas, propagando em entrevistas ataques e mentiras, se não estamos aptos para confrontá-los? Quais os reais interesses da imprensa? Democracia ou audiência?
Em tempos como esses em que vivemos, o jornalismo e os consumidores de notícias precisam entender que, diante de uma eleição onde a própria democracia está em jogo, a omissão é tão perigosa quanto a mentira.
*Diretor-Executivo do Instituto Vladimir Herzog. Foi Secretário Especial de Direitos
Humanos do Governo Federal e Secretário Municipal de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo
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