Igor Mello
Um áudio de 24 minutos atribuído a um ex-dirigente do Goytacaz, tradicional clube do Norte Fluminense hoje licenciado das competições, mostra ele afirmando ter manipulado resultados para garantir que o time fosse campeão da terceira divisão do futebol carioca em 2017. Para isso, se gaba de ter subornado árbitros. Segundo apurou a coluna, as falas são creditadas a Rodolfo Laterça, policial penal e ex-subsecretário de Administração Penitenciária no governo Luiz Fernando Pezão. Na gravação, ele chega a debochar: “Em 2017 subornamos muita arbitragem. Como é fácil se corromper arbitragem”.
Laterça foi presidente do conselho deliberativo do Goytacaz e, embora não tivesse cargo na diretoria em 2017, era considerado um nome próximo do grupo que comandava o clube na ocasião. A manipulação de resultados teria ocorrido durante a disputa da Série B1 do Campeonato Carioca — equivalente à segunda divisão à época — em 2017, quando o Goytacaz se sagrou campeão. Com a conquista, o clube de Campos dos Goytacazes disputou uma seletiva para jogar a Série A do Carioca, mas bateu na trave — o hexagonal classificava duas equipes e o Alvianil acabou em terceiro nos critérios de desempate.
A coluna tentou contato com Laterça por dois dias por telefone, mensagens e e-mail, mas não obteve resposta.
Diante do possível escândalo de manipulação de resultados, a atual diretoria do Goytacaz denunciou o caso à Ferj (Federação de Futebol do Rio de Janeiro). Por conta disso, o TJD (Tribunal de Justiça Desportiva) do Rio de Janeiro abriu um inquérito para apurar o caso. Também foram notificadas as polícias Civil e Federal, além do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) e o MPF (Ministério Público Federal).
“Eu posso falar agora, já passou. Em 2017 subornamos muita arbitragem. Como é fácil se corromper arbitragem, mas isso jogador… Torcedor não entende, e não basta os vinte reais do ingresso, basta muito mais. Vinte mais vinte de uma coletividade pra ver quem que entra no jogo, se é o apito que é melhor, ou se é um bandeira ou dois bandeiras. Eles não tem noção, entendeu? Que a gente consegue essa informação. Irmão quem vem pra cá? Quem tá vindo? É bom? É. A gente tem isso, né? Então fizemos muito isso em 2017. O Paulo Henrique, é ele que é o árbitro das brincadeiras da Federação. O pessoal convida ele e participa muito junto a Federação. Tem bom conhecimento o coroa”.
Rodolfo Laterça é irmão do delegado da Polícia Federal aposentado e ex-deputado federal Felicio Laterça, mas os dois são brigados e não se falam, segundo apurou a coluna.
No áudio, o ex-dirigente afirma que era um dos financiadores do clube nesse período. Ele chega a dizer que injetou mais de R$ 100 mil para bancar contas do clube, mas os recursos não constam na contabilidade oficial do Goytacaz, segundo informações obtidas para essa reportagem.
O áudio trata de outros assuntos, como bastidores da política interna do clube. A coluna apurou que ele foi enviado por Laterça para um grupo de WhatsApp do qual fazia parte e vazou em julho deste ano.
Em nota, o Goytacaz disse ter denunciado o áudio às autoridades para preservar o clube: “A atual diretoria do Goytacaz, que assumiu o clube em 14 de junho deste ano, ao tomar ciência do áudio, em que o autor ataca e denuncia diversas pessoas e instituições, agiu como forma de proteger o clube e deixar as portas abertas para qualquer tipo de esclarecimento. Nossa preocupação é pela preservação e manutenção do clube, que vive seu pior momento nos seus 112 anos. E, se não fosse a ação dos torcedores com o Movimento Resistência Alvianil, não existiria mais”.
Compra de árbitros: TJD abre inquérito para investigar
Após serem apresentadas pelo próprio Goytacaz, as denúncias se tornaram inquérito no TJD-RJ, tendo como relator o auditor Rodrigo Octavio Pinto Borges.
No dia 28 de agosto, o relator pediu a prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito por mais 15 dias. Ele também intimou Laterça e integrantes da atual diretoria do Goytacaz a depor.
Os depoimentos originalmente foram marcados para a última segunda (2), mas tiveram que ser adiados por problemas na citação de Laterça. Ainda não há nova data para as oitivas.
Em outro trecho do áudio obtido pela coluna, Laterça insinua que o presidente da Ferj, Rubens Lopes, teria se comprometido a ajudar o Goytacaz a subir da terceira para a segunda divisão do Carioca em 2023.
“Aí o Duque de Caxias [foi] a culpa de não termos subido, e se tivesse subido obviamente eu não ia pedir licença [das competições em 2024]. Essa licença foi mais um protesto contra essa esse Rubens Lopes do que outra coisa, entendeu? Porque esse cara não nos atendeu. Ele negou por oito vezes agendar o horário com o nosso presidente Humberto”, disse o dirigente, antes de continuar o raciocínio.
“Vocês não tem noção de como é manipulado o futebol, e ainda vem falar que estão aí punindo clube. Puniram o sub-20 do Belford Roxo e outro clube aí, por manipulação comprovada da empresa tal. Porra, manipulação está lá na arbitragem, pô. Quando tem manipulação, tem um árbitro na jogada. Fora isso, quando não tem a manipulação para subir o Duque de Caxias, porque o Goytacaz ia ganhar. Ia dar uma goleada naquele dia, né? Ele [o árbitro] segurou o time, né? Prendeu nosso time. Aí como nós corrompemos, sabemos como que eles fazem, entendeu?”
“Se não tiver um dinheiro para se defender, tá? Se você não tiver uma prata para dar depois do presente, junto com a camisa do Goytacaz, ao velho estilo.. Eu acabei com isso, passei a dar chuvisco e goiabada. Se não tiver, tá morto, tá morto. Então futebol é isso, eu tô cansado pra caramba, eu enjoei.”
Laterça também insinua que havia um esquema de favorecimento na Série B2 –a quarta divisão carioca — no ano passado. Segundo ele, o Belford Roxo teria sido beneficiado. O clube da Baixada Fluminense foi vice-campeão e conseguiu subir para a terceira divisão.
“O Belford Roxo era a bola da vez, [Rubens Lopes] já tinha dado havia dado palavra. Pô, o Barra da Tijuca também estava voando, a palavra tava dada para o Belford Roxo. Pro [clube] Rio de Janeiro [foi dito]: “Oh, segura a onda, não vai dar”. Tanto que agora no ano passado o Zinzane [se classificou para a fase final], mais uma vez o Rio de Janeiro ficou na fila de espera.
A coluna procurou Rubens Lopes, presidente da Ferj, para repercutir as acusações. Por meio da assessoria de imprensa da federação, o dirigente não quis comentar o teor do áudio. Em nota, limitou-se a dizer que a Ferj já tomou as medidas judiciais cabíveis.
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