Não tem aviso prévio. Um dia, em uma manhã, tarde ou noite qualquer, a sua infância e juventude se vão. A idade cronológica não tem nada a ver com este evento que se instala definitivamente. Não esqueço o dia e a hora em que minha juventude se despediu de mim. Foi no dia em que perdi minha mãe, um mês e 20 dias depois do meu aniversário de 20 anos. Uma jovem, pela definição da OMS. Não foi pela violência da guerra, mas, na minha avaliação, por outras mortes subjetivas que são parte dos terrores nossos de cada dia.
A morte põe fim à existência física de quem parte e a etapas da vida dos entes queridos que ficam. Ela fecha, encerra, fulmina um período. Impossível não pensar no tanto de gente se despedindo destas fases da vida humana que não retornam.
Alguns dizem adeus muito cedo, outros muito tarde e alguns (parece, apenas parece) que nunca se despedem de um período em que seu sofrimento comove as massas e a irresponsabilidade é perdoada e, por vezes, incentivada. Sabemos quem se encaixa em cada grupo.
ULTRAJE À HUMANIDADE
É inaceitável que nos calemos diante do espetáculo ultrajante do assassinato da infância e que a guerra seja absurda “porque mata crianças”. A guerra é nauseante porque confere o poder de aniquilar e ser aniquilado sem qualquer resquício de humanidade à toda gente.
No entanto, agonia das crianças no conflito Israel-Palestina é a nova pornografia da violência do nosso cotidiano. Sobre as mortas, de forma dilacerante, constatamos a nossa impotência. Nossa questão para lidar são as que sobrevivem e se tornam adultas aos 10, oito, sete, quatro anos. Aquelas cujo amadurecimento teve o sadismo e a brutalidade como pai e mãe.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera crianças quem tem entre zero e nove anos; adolescentes os que possuem entre 10 e 19 anos e jovens os que estão entre 15 e 24 anos. Estas definições variam um ano a mais ou a menos em cada país, mas não importa. É ponto pacífico que estas vidas são muito novas e necessitam de alguma proteção. No entanto, as armas estão atravessadas é no peito destes e destas, seja como vítimas ou como soldados em um front que não vai apontar vencedores e enterrou a infância, a adolescência ou a juventude de uma multidão.
Não é preciso ser nenhum especialista para observar que, especificamente em contextos em que é evidente uma vontade de extermínio étnico por trás da violência, a infância e a juventude morrem para deixarem nascer uma fome insaciável por vingança. E como o genocídio cultural e literal de um povo normalizou desde muito cedo a visão de sangue e corpos…
MAS…
Este não é um concurso de dores e análises superficiais. Não são admissíveis argumentos com a adversativa “mas”. No tocante à guerra específica que mobiliza o mundo hoje, é inaceitável a relativização do espetáculo horrendo da morte literal e da morte em vida que desfila aos olhos do mundo, em notícias cada vez mais graves ao longo de mais de sete décadas. No que diz respeito às guerras de todos os lados (aliás, acabaram os conflitos na Ucrânia?), como diziam nossos mais velhos, sem “mas” ou meio “mas”.
O que pensar sobre o futuro de alguém que, aos oito ou nove anos, acordou com o barulho ensurdecedor, o clarão do fogo e a fumaça de uma bomba que o deixou órfão de todas as casas, prédios, ruas, árvores, animais de estimação, tios, tias, primos, irmãos, irmãs, pais, mães, brinquedos … sonhos?
A única certeza que existe: Hoje é um adulto.
E um adulto amargo e empedernido por dentro.
Este texto foi escrito em 7 de novembro de 2023. Segundo a agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), em média, um menor de idade é morto e dois são feridos a cada 10 minutos em Gaza desde o início do conflito entre Israel e Hamas.
Até aqui eram 11.352 mortos: 9.922 palestinos e 1.430 israelenses. E contando…
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