“Ei, agora está na hora, vamos deportar todos eles! Esta noite é a noite da Alemanha, a remigração está começando”, entoavam alemães da ala jovem do partido de extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha), durante as eleições ao Parlamento de Brandemburgo no último mês. Ali, os votos jovens garantiram o segundo lugar ao partido extremista e — pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial — o primeiro lugar na Turíngia.
No último domingo foi a vez da Áustria. O Partido da Liberdade (FPO), também de extrema direita, saiu vitorioso. Em seu manifesto, o partido diz que quer deportar imigrantes que entraram ilegalmente no país, reduzir as aprovações de asilo, restringir os benefícios sociais a austríacos nativos e rejeitar o pacto da União Europeia sobre imigração, que exige um sistema de asilo comum aos países.
O novo governo da França, dominado por conservadores, também prometeu endurecer suas políticas sobre questões migratórias e garantiu que vai reduzir significativamente o número de pessoas que entram e permanecem ilegalmente no país.
Na Holanda, a ministra responsável pela migração Marjolein Faber, do ultradireitista Partido pela Liberdade (PVV), anunciou planos para impor o que definiu como “a política migratória mais rígida de todos os tempos”. Isso para citar apenas alguns exemplos recentes de como o ódio aos imigrantes tem ditado as regras na política europeia.
O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, populista autoritário e um dos maiores exemplos para a extrema direita europeia e norte-americana, deve estar feliz. Finalmente sua visão xenófoba para limitar o poder da UE e endurecer as fronteiras parece estar tomando forma.
Esse ódio crescente a imigrantes e refugiados também se torna cada vez menos envergonhado e cada vez mais violento em encontros ultraconservadores. Me lembro que há um ano, em um CPAC na Hungria, o ex-presidente do Escritório Federal para a Proteção da Constituição — a agência de segurança interna da Alemanha — Hans-Georg Maaßen, tinha um tom moderado quando declarava estar preocupado com a imigração no país. Já em 2024, durante o NatCon em Bruxelas, falava em mandar imigrantes para locais similares a campos de concentração na África.
Em um artigo para a Al Jazeera, o filósofo Lorenzo Marsilli questiona os reais motivos por trás dessa xenofobia escancarada. Ele acredita que não é mais possível culpar as crises migratórias de 2015 e 2016 — época em que os populistas do Brexit tiraram o Reino Unido da UE — e nem mesmo crises econômicas: “Embora a inflação certamente tenha reduzido o poder de compra, a Europa está atualmente experimentando um emprego recorde. A economia europeia certamente não está crescendo, mas também não está se contraindo. E há pouca austeridade: pelo contrário, os países europeus responderam à pandemia da Covid-19 e à guerra na Ucrânia com investimentos públicos significativos”, explica no artigo.
Para ele, isso tem a ver com neocolonialismo e uma sensação de perda de privilégios. Um europeu, por mais pobre que fosse, tinha acesso a oportunidades que outras partes do mundo não tinham, e o senso de privilégio forneceria uma ferramenta poderosa para a coesão social. Mas hoje, tecnologicamente atrasada, geopoliticamente desorientada e militarmente mais fraca, segundo ele, a Europa seria novamente um celeiro para a proliferação do nacionalismo.
“É nesse senso de declínio e desorientação que a direita nacionalista prospera. O nacionalismo contemporâneo da Europa não é o tipo expansionista e juvenil do fascismo do século 20. É o nacionalismo dos provincianos, dos rebaixados e dos exaustos. Se migrantes e minorias são o alvo preferido da extrema direita, isso não é por nenhuma outra razão senão a velha estratégia de construir uma comunidade por meio da identificação daqueles que não pertencem a ela. Ao definir como ‘não-migrante’, ‘não-gay’ ou ‘não-woke’, um senso de unidade é forjado. A Europa, em sua busca por coesão social interna, trocou as guerras coloniais pelas guerras culturais”, aponta.
O pesquisador Danniel Gobbi, da universidade Humboldt de Berlin, concorda com a análise: “Concordo que isso é uma volta forte de um ideal de nacionalismo, uma tentativa neocolonial de manutenção de privilégios e da ideia da superioridade europeia. O que a gente precisa entender é que isso discursivamente só funciona quando você projeta todos os vícios, todas as vicissitudes de uma comunidade para fora dela. Então, culpar os refugiados e os imigrantes pelo aumento da criminalidade, pelos problemas econômicos, o aumento dos gastos sociais etc. é a forma que eles encontram de justificar essa superioridade. E aí, acho que não dá para utilizar os imigrantes como bode expiatório em nenhum momento, mas, do ponto de vista discursivo, isso continua sendo feito”, diz.
“Eu acho que, se você for observar várias matérias, elas vão mostrar e destacar o número de refugiados na posição de criminosos, quando vão abordar crimes violentos. E isso, no enquadramento da extrema direita, é ainda mais forte. Eles utilizam o tempo todo vídeos e divulgam nas redes sociais vídeos, áudios e, enfim, textos, fotos, que trazem esse enquadramento do imigrante como o culpado pela violência”, analisa Gobbi.
Steven Forti, professor de história contemporânea na Universidade Autônoma de Barcelona e autor do livro “Extrema derecha 2.0: Qué es y cómo combatirla”, acrescenta que essa ideia de uma suposta comunidade nacional como algo que ofereça espaço de segurança entre pessoas que compartilham algo, uma cultura, traços físicos, até, não é nova, mas que atualmente tem sido potencializada socialmente, culturalmente e até psicologicamente como resposta a crises econômicas, geopolíticas, de mudanças tecnológicas.
E destaca ainda que apesar de a onda migratória na Europa não ser a mesma de 2016, a percepção social e como os meios de comunicação e as redes sociais falam deste tema repetidas vezes vão criando uma paranoia coletiva. Tudo isso acompanhado desse crescimento de partidos de extrema direita, que cada vez mais têm seus discursos de ódio normalizados e valorizados.
“Quando ideias, discursos, narrativas extremistas se normalizam e acabam inclusive legitimadas — na Áustria, Itália, Hungria, Finlândia, República Tcheca, Países Baixos, etc. — e essas forças políticas têm esses discursos, isso faz com que muita gente, que talvez pensasse mas antes silenciasse, agora não tenha medo de dizer. Vemos um processo de radicalização, há ideias extremistas, que podem ser inclusive neofascistas em alguns casos ou que podem ser racistas, xenófobas, identitárias e já não há um complexo em mostrar isso, porque há uma força política dizendo essas coisas sem problemas, que tem consenso eleitoral e inclusive governa em alguns países”, explica o professor.
Forti, no entanto, faz uma ressalva: é certo que a extrema direita tem se popularizado entre os jovens, mas é arriscado generalizar. “Não acredito que a maioria dos jovens europeus são contra imigrantes, é preciso tomar cuidado para não repetir tanto isso que se torne uma profecia autocumprida”, afirma.
Lendo isso de fora da Europa, pode parecer menos importante. Mas não podemos esquecer que o nacionalismo exacerbado e o neofascismo, apesar de ter diferenças locais, cresce no mundo todo, inclusive no Brasil através do bolsonarismo.
Novamente citando Marsilli, “desorientação, medo e ansiedade são os símbolos do nosso tempo. São a condição humana contemporânea comum à qual o nacionalismo fornece uma resposta falsa, mas persuasiva”.
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