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‘Grave’, diz Apib após decisão do STF sobre comissão de conciliação do marco temporal

'A decisão é uma tentativa de fragilizar e tirar a legitimidade do movimento indígena', denuncia coordenador da Apib
03/10/2024 | 09h30

Por Gabriela Moncau — Brasil de Fato

Em decisão monocrática publicada na terça-feira (1), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes determinou que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) indique cinco lideranças indígenas para compor a comissão de conciliação criada por ele para debater a tese ruralista do marco temporal.

No último 28 de agosto a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), principal entidade representativa do movimento indígena no país, se retirou da chamada “comissão especial” do STF, denunciando que a tentativa de “conciliação forçada” é mais uma “violência do Estado brasileiro”.

A organização indígena argumenta que o espaço, composto por entidades ruralistas e parlamentares bolsonaristas tais como a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP), é “uma farsa”, um “ataque à vida dos povos indígenas” e visa colocar em negociação direitos fundamentais. Leia na íntegra a carta da Apib anunciando sua saída da comissão.

Na decisão de terça, o ministro Gilmar Mendes afirma que o “esforço voltado à autocomposição” da comissão “não parece ter sido a tônica de alguns representantes indicados”, que estariam “atuando estritamente sob o ângulo político, unicamente voltados à divulgação em redes sociais e em desrespeito à condução dos trabalhos”.

O ministro do STF diz, ainda, que a Apib e os demais representantes indígenas se retiraram da mesa de negociações “atuando conforme lhes convêm”. Assim, Mendes determina que o MPI, comandado pela ministra Sônia Guajajara, indique um representante indígena de cada uma das cinco regiões do país para compor a comissão enquanto membros.

Sônia Guajajara (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

“É uma decisão extremamente grave”, avalia Dinamam Tuxá, da coordenação executiva da Apib, para quem “não compete ao Ministério dos Povos Indígenas fazer essa indicação”.

“Fazer com que o MPI faça essa indicação, sendo que o movimento indígena já tomou a sua decisão, é uma tentativa de fragilizar o movimento e tirar a legitimidade da Apib enquanto organização representativa dos povos indígenas”, afirma Dinamam.

Além disso, segue ele, “cria-se uma situação muito complicada com o Ministério das Povos Indígenas, que se porventura fizer essas indicações, irá causar ainda mais um tensionamento com o que vem acontecendo em torno da política indigenista brasileira”.

“Estamos bastante preocupados com essa decisão e com o que ela pode ocasionar a nível de Brasil”, resume o coordenador da Apib.

O Brasil de Fato entrou em contato com o MPI questionando se a pasta pretende recorrer da decisão ou se vai indicar as lideranças indígenas para compor a comissão de conciliação. Não houve resposta até o fechamento da matéria. O texto será atualizado caso o posicionamento seja recebido.

Entenda as idas e vindas do marco temporal

O marco temporal é a tese defendida por ruralistas segundo a qual só poderão ser demarcadas as terras indígenas que estivessem ocupadas por seus povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Em setembro de 2023, menos de uma semana depois de o STF decidir que o marco temporal é inconstitucional, em um movimento de afronta ao judiciário, o Senado aprovou a Lei 14.701/23, que o institui.

Em vigor desde então, a lei prevê, além do marco temporal, uma série de ataques aos direitos indígenas. Entre eles, a cooperação entre indígenas e não indígenas para explorar economicamente os territórios; maior burocratização do processo demarcatório (que hoje leva em torno de 30 anos); e a possibilidade de contestação de terras já regularizadas. O texto determina ainda que o usufruto exclusivo dos povos às suas terras não pode se sobrepor ao interesse “da política de defesa”.

Pouco depois da aprovação da lei, o STF recebeu ações opostas para definir sobre a sua validade. De um lado, a Apib, a Rede Sustentabilidade e o PSOL entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), pleiteando a derrubada definitiva do marco temporal. De outro, o setor ruralista, por meio do PL, Republicanos e PP, apresentou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), buscando respaldar a Lei 14.701/23.

Relator das ações, o ministro Gilmar Mendes optou por, ao invés de respaldar a decisão de inconstitucionalidade do marco temporal já tomada pela Corte que ele mesmo integra, criar uma comissão para rediscutir o tema. Inaugurado em agosto, o grupo de conciliação tem trabalhos previstos até o fim de 2024.

 

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