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Por Pedro Chê*

Não é um privilégio das casas de apostas e bets serem infiltráveis pelo crime. Encontraremos o crime vinculado a instituições bancárias, ao Estado, a instituições religiosas e políticas, mas essa onipresença não serve para mitigar a capacidade especial que é razão deste texto.

A questão singular não reside na existência, mas na permeabilidade especial que há subsidiada por dois elementos: a dificuldade de controle (mesmo quando a atividade se encontra legalizada) e as oportunidades próprias que oferecem em virtude de sua natureza.

Um exemplo significativo são as loterias administradas pela Caixa Econômica Federal. Mesmo inseridas na estrutura do Estado, são alvos de quadrilhas especialmente visando a lavagem de dinheiro.

Inclusive tal prática foi tão escabrosa num passado recente, que assistimos a indivíduos alegando terem vencido mais de 10 sorteios da Mega-Sena (o que muito provavelmente se dava a partir da compra de bilhetes premiados junto aos verdadeiros vencedores por um preço acima, permitindo a esses “novos ganhadores” declarar os prêmios como ganhos lícitos oriundos das loterias).

Mas, ainda assim, não dá para equiparar com o que acontece com o seu “primo” desregulado e contraventor, o jogo do bicho, que criou, especialmente no estado do Rio de Janeiro, uma verdadeira dinastia de criminosos. O jogo do bicho ilustra bem os potenciais prejuízos em deixar tais atividades a mercê da ilegalidade.

Sob a perspectiva do controle, há uma situação que foge ao dualismo (legal-ilegal), que é a da má regulamentação.

Um caso emblemático é o da Empresa JBD que, operando em Pernambuco, vem sendo alvo desde 2021 de investigações promovidas pelo Ministério Público (MP-PE), já tendo sofrido diversas sanções cautelares, como a proibição temporária de funcionamento e retenção de passaportes.

Mesmo assim, no final de 2023, foi habilitada a atuar no Rio de Janeiro pela Loterj. A justificativa é de que todas os requisitos previstos foram cumpridos. Quanto a isso não tenho elementos aqui para duvidar, mas sim para questionar: como uma empresa que figurava como ré até a data da inscrição conseguiu ser tida como apta? Talvez a informação a seguir ajude a esclarecer: o estado do Rio de Janeiro recebeu, para cada credenciamento, um valor de cinco milhões de reais.

A partir deste ponto, discutirei como a natureza da atividade propicia ao crime encontrar diversas janelas de oportunidade para se infiltrar em casas de apostas e bets. Atividades com este fluxo financeiro e de operacionalidade tão complexa, por certo, não seriam absorvidas por um ‘batedor de carteira’, mas sim organizações/associações criminosas muito bem preparadas.

Facções locais e nacionais, além da máfia do jogo do bicho do Rio de Janeiro, estão desenvolvendo suas próprias estruturas de apostas. Os objetivos principais são a própria capitalização (frente a um mercado extremamente lucrativo) e a lavagem de dinheiro.

Se a oportunidade para capitalizar é “singular”, os mecanismos para a lavagem de dinheiro são plurais! Há mecanismos para lavagem de dinheiro próprios para os diversos agentes envolvidos, desde os gerentes/proprietários, colaboradores (influencers), chegando até os apostadores.

A situação se encontra tão banalizada que é possível lavar dinheiro por meio de um simples depósito em dinheiro e consecutivo saque para contas bancárias, sem a necessitar recorrer a uma aposta fraudulenta, ou algo do tipo.

Além da lavagem, a mais notórias das atividades criminais ligadas aos jogos, temos também a sonegação fiscal, que pode ocorrer a partir de pagamentos em espécie, ou por subdeclaração de receitas. As ferramentas são inúmeras e o que trago é apenas um resumo. E como boa parte dessas empresas é sediada em paraísos fiscais, há de se falar constantemente em evasão de divisas, outro tipo de crime.

Longe de esgotarmos o rol de crimes, temos o estelionato, atividade criminal que é o novo xodó do crime organizado, e que surge nesse cenário a partir da manipulação de odds (indicadores de probabilidade de um determinado resultado acontecer em um evento esportivo), induzindo os apostadores a jogos ruins, ingressos em sites falsos, ofertas de “dicas perdedoras”, ou mesmo o auxílio a golpes fora do ambiente das apostas, a partir da venda de dados pessoais.

Falando em manipulação, está previsto no Estatuto do Torcedor a manipulação de resultados, que vem retirando a credibilidade das atividades esportivas e das pessoas envolvidas, em virtude da suspeita de sua participação em tramoias e complôs.

Gostaria de dizer que esgotei o rol de janelas de oportunidades nesta dobradinha casas de apostas e crime, mas temos de mencionar os casos de fraudes envolvendo a criação de “pirâmides financeiras”, em que sujeitos “iluminados” oferecem lucros de mais de 1% ao dia para aqueles que se unam ao “esquema” e depois desaparecem com todo o dinheiro, como foi o caso da AlphaBets.

Deixei para o fim o que entendo como o exemplo mais sistemático do problema: a corrupção de menores a partir da exploração de crianças pelas plataformas de apostas. Faz-se uso de influencers, tanto adultos quanto infantis, e a paixão pelos esportes e seus ídolos para atrair menores para essas práticas. Em teoria, menores de idade não podem participar, mas em um mercado que orbita entre a ilegalidade e a desregulação, não é de se estranhar o resultado.

*Policial civil e professor de História

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