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Na epidemia das bets, o azar é nosso

A crescente popularidade das apostas online no Brasil exige um debate social urgente
08/10/2024 | 21h45

Por João Luiz Fukunaga e Márcio de Souza *

Nos últimos anos, a atuação das casas de apostas no Brasil tem se tornado cada vez mais intensa, acendendo um debate sobre a origem e os fluxos dos recursos que transitam por essas empresas. Muitas vezes sediadas em paraísos fiscais, as bets, como são popularmente conhecidas, podem dificultar a identificação dos verdadeiros donos do dinheiro, levantando questões sobre a transparência e a legalidade de suas operações.

Mas é fundamental trazer à tona os aspectos sociais envolvidos nessa reformulada indústria de jogos de azar. A acessibilidade tem acelerado a popularização desse tipo de “diversão”, antes restrita às camadas sociais mais privilegiadas. Se há poucas décadas as apostas em cavalos levavam à bancarrota um punhado de famílias abastadas, hoje, com a popularização das apostas online, as bets estão arrastando para o buraco milhões de pessoas que já vendiam o almoço para pagar a janta.

Com uma fórmula de marketing batida (e vencedora), as casas de apostas utilizam como garotos-propaganda influencers, artistas e atletas renomados para estabelecer uma conexão com o povão. Além disso, financiam o esporte mais popular do país. Não à toa, é uma bet o patrocinador master do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil. Uma profusão de outras casas financiam os principais clubes do país em troca de estampar suas marcas em uniformes.

O vício nas bets tem sido amplificado também pelo fator custo. A maioria das empresas permite apostas com valores baixos, muitas vezes induzindo a ilusão de que o comprometimento de renda é quase inexistente. A Lei 13.756/18, sancionada em 2018 pelo então presidente Michel Temer, determinou que as apostas seriam uma modalidade de loterias, sem definir critérios para sua regulamentação.

Desde então, as empresas de apostas adotaram estratégia que permite capturar até mesmo pessoas com baixíssimo poder aquisitivo. Uma dessas estratégias, consistia em anunciar esses sites como sendo de apostas gratuitas voltadas ao lazer. Um modus operandi similar ao do traficante, que oferece droga gratuitamente para atrair e viciar sua vítima.

O endividamento crescente das famílias para financiar a jogatina de quem já se encontra indefeso é alarmante e precisa estar na pauta das discussões sobre saúde pública. Em uma população com baixa educação financeira, o baixo custo das apostas funciona como gatilho para que jogadores compulsivos joguem em sequência, tentando recuperar valores já perdidos ou pelo prazer momentâneo da  adrenalina descarregada ao acompanhar em tempo real se o seu palpite será vencedor.

Mas, se isso tudo não sensibilizou as autoridades até agora, um outro aspecto relevante pode trazer para o jogo um personagem importante: o mercado. Um estudo mostra que as apostas online já movimentam o equivalente a 1% do PIB e comprometem até 20% do orçamento livre dos mais pobres. Os bilhões de reais que hoje circulam pela economia real estão escoando em volume crescente para o ralo dos jogos de azar, com potencial de causar estragos no desenvolvimento econômico do país. Com um crescimento de mais de 730% desde 2021, há quem chame esse movimento de epidemia das bets.

Dados indicam que os apostadores estão perdendo para as casas de apostas por um placar largo, dificultando qualquer chance de virada. Em 2023, os brasileiros gastaram R$ 68 bilhões em apostas, mas o saldo líquido entre vitórias e derrotas resultou em um prejuízo de R$ 23 bilhões para os apostadores. Não há dúvidas de que quem está enriquecendo às custas de gente humilde é um ecossistema sustentado por influência, marketing e a certeza de que a banca sempre vence.

Além da necessária ação do Estado, é fundamental um maior envolvimento de empresas socialmente responsáveis para ampliar a educação financeira e conscientizar as pessoas sobre os efeitos negativos do vício em jogos de azar — pensando nisso inclusive como uma linha de defesa para a sustentabilidade e perenidade de seus negócios. Na Previ, temos um programa de educação financeira e previdenciária. Preparamos, com regularidade, conteúdo para estabelecer uma relação de confiança com nossos associados e esclarecer sobre alternativas de investimento no futuro das pessoas e a gestão planejada dos recursos financeiros.

Como um fundo de pensão com 120 anos de história, temos como objetivo auxiliar nossos participantes com transparência e responsabilidade na aplicação dos recursos garantidores de seus futuros. E seguiremos atuando para que as empresas onde temos participação caminhem no mesmo sentido.

 

*Respectivamente presidente da Previ e diretor de Administração

 

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