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Por Josué Seixas

(Folhapress) — A advogada Andréa Karla Cardoso Amaral, de 55 anos, diz ter dificuldade para reconhecer a casa em que viveu durante 13 anos. Desde sua saída forçada do imóvel em novembro do ano passado, pelo iminente risco de desabamento de uma mina da Braskem, furtos e depredações são constantes, e ferrugem e sujeira se espalham.

A petroquímica agora recorre a processos de liquidação de sentença contra moradores como Andréa, que não chegaram a um valor de indenização em acordo ou que nem sequer fizeram parte do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), que é voluntário.

Procurada, a Braskem afirmou que os processos de liquidação de sentença estão previstos no acordo com as autoridades e podem ser solicitados pelos moradores sem que eles tenham que arcar com os custos da perícia. Até agosto, diz a petroquímica, foram registradas 19.164 propostas de compensação financeira, com pagamento de 18.670 indenizações. Já as propostas formalmente recusadas foram 76.

Casa da advogada Andréa Karla Cardoso Amaral (Foto: Arquivo pessoal)

Andréa é uma das vítimas da mineração da Braskem, que afetou cinco bairros da capital alagoana e é considerado o maior desastre ambiental em área urbana do país. Os primeiros tremores de terra foram registrados em 2018, com afundamento no solo e rachaduras em imóveis.

Ao menos 40 mil pessoas dos cinco bairros atingidos tiveram que ser realocadas.

O argumento de moradores como Andréa é de que a indenização oferecida pela Braskem não condiz com o valor dos imóveis, nem com os custos atuais para se comprar uma nova casa na cidade.

Com o risco do desabamento da mina, Andréa e outros moradores que ainda viviam dentro da considerada “zona de risco” tiveram de deixar suas casas. O juiz Ângelo Cavalcanti Alves de Miranda, da 3ª Vara Federal de Alagoas, autorizou o uso de força policial em caso de resistência durante a desocupação dessa área que sofria com o risco de colapso.

Acordo com a Braskem

Para chegar a um acordo com esses moradores, a Braskem então recorre ao processo de liquidação de sentença — pede que a Justiça indique um perito independente e sem custos para o morador para que seja arbitrado um valor de indenização.

Região afundada em Alagoas (Foto: Prefeito Maceió JHC/X)

De acordo com o Tribunal de Justiça de Alagoas, existem 142 processos de liquidações de sentença em tramitação na 3ª Vara.

No caso de Andréa, o perito indicado pela Justiça já estabeleceu um valor e ela o aceitou, embora o considere abaixo do que deveria receber pelo que o imóvel representava antes de sua saída em 2023. A Braskem, por sua vez, apresentou embargos de declaração para que a Justiça esclareça pontos específicos da sentença, publicada em meados de agosto.

À reportagem Andréa diz que a proposta da Justiça foi melhor do que a ofertada pela empresa, que nunca teria sido favorável a ela ou sua família.

“Mesmo que façam esses recursos, eu não vou mais voltar atrás. Agora, é só para frente. A Braskem teve a chance de fechar o acordo comigo em três oportunidades, sempre colocando o valor muito abaixo do padrão. Essa sentença judicial pelo menos me dá condições de comprar uma nova casa, coisa que nenhum acordo da Braskem permitia”, diz.

“Fui obrigada a deixar o meu imóvel com a presença de Polícia Federal, Polícia Militar, Defesa Civil, Braskem. Era uma casa muito boa, toda reformada, e eles me ofereceram ir para um quarto de hotel. Eu recusei, deixei toda a minha mobília dentro, saí somente com a roupa do corpo e fui morar de aluguel. Agora, estou vendo tudo o que deixei sendo roubado. Destruíram tudo”, lamenta.

Ela ressalta que não recebeu auxílios da empresa. “Recusei auxílio-moradia, recusei hotel, recusei carros de mudança, recusei tudo, tudo o que você possa imaginar. Para você se manter de pé nessa situação, você tem que agir como eu agi, recusando tudo para que você possa buscar o seu direito do jeito que você quer buscar”.

Caso semelhante vive o coordenador-geral do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), Cássio de Araújo Silva, 60. Na última terça (8), o imóvel desocupado desde novembro do ano passado foi incendiado.

Ele estima um prejuízo de R$ 6 milhões, já que tinha cerca de 20 mil livros no espaço. A perícia do imóvel foi iniciada no processo de liquidação de sentença, mas o perito ainda não apresentou o laudo nos autos, e não há valor de indenização definido.

“É preciso que se entenda que eu nunca coloquei meu imóvel à venda. Não queria vendê-lo, na verdade. Uma proposta justa eu aceito. As imposições da Braskem, não”, disse à reportagem.

Segundo a petroquímica, foi disponibilizado ao proprietário do imóvel todo suporte do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), como guarda-volumes para acondicionamento de todos os pertences, custos com mudança, pagamento de auxílios financeiros e diversos serviços gratuitos, como apoio psicológico. Ele não aceitou.

Questionada sobre como esses procedimentos têm se desenrolado, a Justiça alagoana afirmou que a Braskem vem concordando com a maioria dos laudos periciais — ainda que depois de pedidos de esclarecimentos –, e que são poucos os casos em que a empresa contesta a conclusão do perito judicial, que é submetida à avaliação do magistrado.

 

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