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Renato Freitas e Léo Péricles: o que a esquerda deve fazer para recuperar espaço perdido?

Jovens lideranças negras, o deputado estadual petista ee o presidente da UP têm estreita ligação com a periferia
11/10/2024 | 06h56

A série de entrevistas e artigos em que o ICL Notícias discute o que a esquerda brasileira deve fazer para recuperar o espaço perdido se encerra com a partcipação de duas lideranças políticas emergentes. O deputado estadual pelo Paraná Renato Freitas (PT) e o fundador e presidente do partido Unidade Popular, Leonardo Péricles, tratam do assunto.

O debate é motivado pela vitória que a direita e a extrema direita tiveram nas eleições municipais de 2024, com os partidos de esquerda, em especial o PT, colhendo resultados bem abaixo do que um do que já conseguiram.

Conhecido pela combatividade em um estado marcado pela predominância da direita, Renato Freitas tem sido perseguido desde seu primeiro mandato de vereador em Curitiba, quando foi cassado por motivação ideológica. Na Assembleia Legislativa do Paraná também é ameaçado de cassação, mas sua resistência fez com que atraísse a atenção de todo o Brasil.

“Que a esquerda não tenha vergonha de dizer seu nome, e que a coragem do grito venha do coração do povo”, diz ele, no artigo que publicamos. “Pois quem não tem o povo no peito, terá que ter sempre um Arthur Lira no bolso”.

Léo Péricles fundou a UP para atuar em defesa do poder popular e do socialismo,sempre ligado aos movimentos sociais. Defende a nacionalização do sistema bancário, o controle social de todos os monopólios e consórcios capitalistas e dos meios de produção nos setores estratégicos da economia, além da reforma agrária e urbana popular. Concorreu a presidente em 2022.

“Quem se diz de esquerda não pode se render às imposições do neoliberalismo”, escreve, no artigo abaixo. “Precisa ter coerência entre o que se defende e as alianças e propostas que coloca em prática quando está no governo”.

Lideranças negras, Renato e Léo têm estreita ligação com a periferia.

A seguir, as reflexões dois dois sobre os caminhos que a esquerda deve seguir:

Renato Freitas

A esquerda precisa urgentemente voltar para a base. Calçar a sandália da humildade, que muitas vezes na favela é um nike 12 molas – sonho das crianças que sobrevive no peito dos adultos. Entender as contradições da realidade social longe do monólogo narcísico das bolhas algorítmicas. Principalmente as gerações que se politizaram a partir da universidade e das redes sociais, donde surge um movimento purista que postula uma ética pretensiosamente infalível, para “desconstruir tudo que tá aí”, mas que só funciona em aparência, pois na prática o que une a grande maioria dos “desconstruídos” são os ritos de linchamento e cancelamento.

O povo, que está longe desses “novos mandamentos”, não admite que seus hábitos e costumes mudem assim, tão repentinamente, por decreto, como tenta a Rede Globo através de suas novelas, que até antes de ontem só nos colocava tomando chibatada, bêbado ou ladrão, agora se vende como defensora da diversidade e da igualdade.

Essa alienação do povo promovida pelos meios de comunicação e agentes formadores de opinião ligados aos ricos, pega com facilidade no que diz respeito à economia, num país em que mais da metade da população não sabe o que é uma commoditie. Mas não pega com tanta facilidade as influências que incidem no pensamento religioso e moral. Por isso, arrastado pela tradição bipartidária dos EUA, o Brasil está cada vez mais dividido entre os capitalistas liberais e os capitalistas conservadores, e a isso tristemente tem-se dado o nome de esquerda e direita.

Como se a história tivesse acabado, e a única disputa possível seja dentro da ordem social e econômica que transforma todas as necessidades humanas em mercadorias que nem todos podem comprar. Ou seja, uma ordem que admite a exclusão e o descarte de seres humanos que por algum motivo se tornem consumidores falhos.

É preciso fugir dessa disputa derrotista, que entende que ser de direita é defender valores morais tradicionais e ser de esquerda é defender valores morais modernos. Essa redução da política à moral só aproveita aos hipócritas, pois apenas eles podem afirmar a todo momento serem detentores apenas de virtudes, nunca de defeitos, autoproclamando-se “homens de bem”. Bastiões da moral e dos bons costumes.

Além disso, a redução da política à moral ou bons costumes é altamente despolitizante, uma vez que não discute a base material em que se assentam os discursos e práticas moralistas, qual seja; o capitalismo neocolonial que tem no império dos Estados Unidos o seu centro político-militar-econômico.

Não podemos agir como se a história tivesse chegado ao fim, como queria e defendia Fukuyama.

É preciso, para combater o pragmatismo fatalista da “governabilidade”, que retira de qualquer um a possibilidade de discutir a economia a partir das lentes da justiça, uma dose da urgência irracional e imprevisível dos animais que são abatidos na beira da estrada. Já dizia Carolina Maria de Jesus que o Brasil precisa ser governado por quem já passou fome, pois a fome é uma ótima professora.

Malcolm-X apontava o Norte ao dizer que a criação mais poderosa em qualquer sociedade é uma pessoa sem nada a perder. Este é o protagonista das revoluções; quem não herdou nada senão a luta pela vida e pela liberdade num país tão violento e encarcerador.

Esses sujeitos revolucionários sãos as trabalhadoras e trabalhadores pobres, negros e moradores de periferia. Portanto é lá que a esquerda tem que estar, no território.

Não adianta criar “bolhas de diversidade” em espaços centrais de poder para legitimar práticas e discursos, revestindo-as com fina e frágil camada de democracia. É preciso estar no território, viver, integrar, compreender e exercer organicamente liderança dentro da comunidade. Esse é o papel da esquerda, fortalecer lideranças e movimentos orgânicos de dentro do próprio território, não apenas aparelhar e querer a qualquer custo conduzir as massas com berrantes e chantagens revestidas de promessas.

Eu e o coletivo Núcleo Periférico, do qual faço parte, acreditamos na força do companheirismo em seu significado radical, do latim companis, compartilhar o pão. Por isso construímos nossas bases nos territórios a partir das cozinhas comunitárias e do fomento da arte-cultura como instrumento político pedagógico popular. A gente não quer só comida…

É preciso que os consumidores de ontem ou os “empreendedores” de hoje tornem-se primeiramente cidadãos com condições reais de se informar e decidir de maneira autônoma sobre a política.

E essas condições não serão dadas gratuitamente pelos exploradores e opressores de plantão, elas têm que ser conquistadas pelos explorados e oprimidos. Esta é a tarefa reservada aos partidos e movimentos sociais; serem instrumentos de organização, mobilização, agitação e ação revolucionária nas mãos do povo.

São tempos de de-cisão, ou se é quente, ou se é frio. O morno tem sido vomitado.

Que a esquerda não tenha vergonha de dizer seu nome, e que a coragem do grito venha do coração do povo.

Pois quem não tem o povo no peito, terá que ter sempre um Arthur Lira no bolso. E não esqueçamos, quem compra, também se vende.

Léo Péricles

Nós consideramos que os partidos da esquerda que perderam espaço foram os que adotaram uma política de conciliação com os ricos, os patrões e os corruptos do Centrão.

Esse mesmo Centrão foi quem apoiou o golpe contra Dilma, foi base do governo do fascista e aprova um orçamento no Congresso que retira dinheiro de investimentos em educação e saúde para dar dinheiro aos banqueiros.

A saída para o povo pobre e explorado continua sendo a luta por melhores salários, por casa para quem não tem onde morar, em defesa do SUS sem privatizações, por educação pública, gratuita e de qualidade em todos os níveis. Só a luta trás melhoria para a vida do povo pobre e explorado. A UP luta por essas mudanças e também pela mudança da sociedade, pela construção do poder popular e o socialismo.

Quem se diz de esquerda não pode se render às imposições do neoliberalismo. Precisa ter coerência entre o que se defende e as alianças e propostas que coloca em prática quando está no governo!

Um programa efetivamente de esquerda tem que ser socialista e antifascista, anti-privatizações e por direitos sociais.

É preciso um trabalho de base em que as lutas sociais estejam no centro dele. Sem isso, não é possível ser digno da confiança da classe trabalhadora e do povo!

 

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