Igor Mello e Juliana Dal Piva
O bolsonarista Anderson Moraes (PL-RJ), secretário de Ciência e Tecnologia do governo Cláudio Castro, ignorou um parecer de compliance para emplacar aliados políticos em dois cargos chaves para a pesquisa científica no Rio.
Moraes enviou para a Secretaria da Casa Civil nesta sexta (25), às 12h39, uma dança das cadeiras no comando da Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro) e da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro).
Com a manobra, Caroline Alves da Costa, que atualmente é presidente da Faetec, passará ao comando da Faperj. Uma hora antes, parecer de compliance do próprio governo do estado vetou o nome dela para o comando da entidade.
A Faetec, por sua vez, ficará sob o comando do bolsonarista Alexandre Valle, ex-secretário de Educação do governo Castro derrotado na disputa pela prefeitura de Itaguaí no início do mês.
A Faetec é responsável pelo ensino técnico no estado do Rio e conta com um orçamento de quase R$ 1 bilhão previsto para 2025. Por isso, é considerada uma das joias da coroa entre os órgãos estaduais.
Já a Faperj é a instituição de fomento à pesquisa científica no estado, apoiando principalmente projetos de pesquisa na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e na Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense). O órgão tem previsão de uma receita de mais de R$ 641 milhões em 2025.
Aliada foi reprovada em compliance
O parecer de compliance que rejeitou a indicação de Caroline para o comando da Faperj foi elaborado pelo advogado Victor Travancas, que ocupa cargo de subsecretário no gabinete de Cláudio Castro. O documento foi assinado às 11h33, pouco mais de um hora antes de Moraes oficializar as mudanças à Casa Civil.
De acordo com o parecer de Travancas, “a análise do currículo do indicado para a presidência revela a ausência do título de doutorado, o que, segundo normas consagradas no meio acadêmico, compromete a sua aptidão para desempenhar as funções que exigem profundo conhecimento técnico e científico. A falta dessa titulação pode ser interpretada como um indício de fragilidade na capacidade de conduzir projetos de pesquisa complexos, bem como de assegurar a integridade e a excelência nas iniciativas promovidas pelo Fundo”.
Com base nisso, Travancas opinou contra a nomeação: ‘Em respeito aos princípios de compliance e à busca incessante pela excelência no serviço público, recomenda-se que a nomeação em questão seja reconsiderada. A adoção de critérios rigorosos na escolha do presidente do FAPERJ não apenas reforça a credibilidade da instituição, mas também alinha-se aos interesses estratégicos do Estado, promovendo um ambiente de pesquisa sólido e respeitado, apto a impulsionar a inovação e o desenvolvimento científico no Rio de Janeiro”.
Nome vetado está envolvido nas folhas secretas da Uerj
Caroline Alves da Costa foi apadrinhada para a presidência da Faetec por outro bolsonarista com grande influência no governo do estado: o deputado estadual Dr. Serginho (PL-RJ), ex-líder de Castro na Assembleia Legislativa e prefeito eleito de Cabo Frio, na Região dos Lagos.
Dr. Serginho foi secretário de Ciência e Tecnologia durante boa parte da gestão de Castro e, mesmo depois de deixar o cargo, manteve grande influência na área.
Reportagem do portal UOL, em 2022, mostrou que 45 cabos eleitorais ligados a Dr. Serginho e à deputada federal Soraya Santos (PL-RJ), que fez dobradinha com ele na eleição de 2022, foram contratados em um projeto com folhas secretas realizado em parceria entre a Uerj e a Faetec. Ao todo, os contratados –muitos deles funcionários fantasmas–receberam mais de R$ 2,3 milhões em bolsas às vésperas do período eleitoral.
Vários deles confessaram nem sequer saber que estavam vinculados a esse projeto de extensão.
Após as denúncias, que também envolviam a prática de rachadinha por contratados, a Uerj decidiu encerrar o projeto em dezembro de 2022.
Contudo, alguns meses depois Caroline Alves da Costa enviou ofício à reitoria da Uerj disponibilizando mais R$ 44 milhões para que o projeto com suspeitas de corrupção fosse retomado. Ela própria recebeu recursos da folha secreta: ao todo, ganhou R$ 52 mil brutos em apenas quatro meses de vínculo com o projeto.
Na época, ela ainda não era nomeada na Faetec. Caroline ocupava o cargo de vice-presidente da Fundação Cecierj, outro órgão vinculado à Secretaria de Ciência e Tecnologia, este voltado ao ensino superior à distância.
Secretário é próximo da família Bolsonaro
Moraes é um bolsonarista que tem se aproximado do clã nos últimos anos. Foi autor de projetos contra a obrigatoriedade da vacina de Covid-19 e a favor da extinção da Uerj.
Ele manteve nomeada em seu gabinete Rogéria Bolsonaro, mãe de Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro. Moraes também foi o principal cabo eleitoral na tentativa frustrada de Rogério voltar à política, como candidata a vereadora no Rio de Janeiro em 2020.
Além de Rogéria, ele também empregou a influenciadora Vanessa Navarro, apontada pela Polícia Federal como integrante do gabinete do ódio.
Entidades ligadas à ciência protestam contra mudanças
Nos bastidores, bolsonaristas justificam a troca na presidência da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) dizendo que seria necessário abrir uma “caixa-preta” para investigar gastos da instituição. A mudança está sendo criticada por diversas entidades na área de pesquisa científica.
Uma petição criada por pessoas ligadas à comunidade acadêmica contra as mudanças já conta com mais de 23,1 mil assinaturas. A campanha defende a permanência do professor Jerson Lima na presidência da Faperj.
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgaram manifesto informando preocupação com a mudança e encaminharam ao governador. A Academia Nacional de Medicina, reitores de universidades públicas do estado, a Federação de Sociedades de Biologia Experimental, a Sociedade Brasileira de Virologia e o Instituto Serrapilheira também se posicionaram.
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