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Meio Ambiente

Curitiba prevê derrubar mais de 1 mil árvores com obra e deixa moradores apreensivos

Além do impacto ambiental, a obra apresenta problemas administrativos e tem causado transtorno à população
09/11/2024 | 05h00

Por Ayam Fonseca*

A obra do Inter 2, em Curitiba, tem deixado moradores da região aflitos. A grande reclamação é sobre o descaso com o impacto ambiental que a obra tem gerado, além da falta de diálogo com a população. Segundo o movimento popular SOS Arthur Bernardes, ao menos 1089 árvores serão derrubadas para o cumprimento do projeto.

O Novo Inter 2 é um projeto do Programa de Mobilidade Urbana Sustentável de Curitiba, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que pretende criar uma linha circular para interligar eixos estruturais da cidade. A previsão é atender cerca de 155 mil passageiros por dia.

Mapa do itinerário do Inter 2 (Foto: Divulgação/IPPUC)

O problema surge justamente nas consequências ambientais e sociais que a obra cria. A construção vai impactar 28 bairros da cidade, afetando milhares de pessoas com a derrubada de árvores, a canalização de um córrego e uma área de solo sendo impermeabilizada.

Verônica Rodrigues, uma das mobilizadoras e articuladoras do movimento SOS Arthur Bernardes — movimento dos moradores da região que é contra as obras do Inter 2 –, conta algumas das consequências que a empreitada gera.

“Só no lote do Arthur Bernardes, local que tem um parque linear de dois quilômetros de extensão e eu sou moradora, 642 árvores adultas e saudáveis vão ser derrubadas”, conta Verônica, que continua: “Essa obra tem o nome de ‘mobilidade urbana sustentável’, mas de sustentável não tem nada”, pontua a mobilizadora.

Verônica explica que a Prefeitura de Curitiba argumenta que a sustentabilidade do projeto se valida após a construção das linhas, com a utilização de ônibus elétricos nas pistas.

“É um caso claro de greenwashing”, afirma Verônica, fazendo referência à prática de promover discursos, ações ou propagandas de sustentabilidade ambiental que na realidade não têm eficácia alguma.

O greenwashing, ou “lavagem verde”, é comumente praticado por organizações e empresas que querem passar a impressão de serem sustentáveis, quando pouco contribuem para a causa ambiental.

“Esse greenwashing é praticado tanto pela Prefeitura de Curitiba, quanto pelo BID, que tem como diretriz o enfrentamento às crises climáticas”, conclui.

Ionete Hasse, bióloga integrante do SOS Arthur Bernardes, foi uma das primeiras a tomar conhecimento do projeto do Inter 2 e a se dar conta das suas possíveis consequências. “Em maio participei de uma reunião pública onde foi apresentado o plano do Inter 2 e nela disseram que árvores seriam cortadas. Como bióloga, minha preocupação inicial foi do quanto da vegetação seria suprimida do corredor verde da rua Presidente Arthur Bernardes”, contou Ionete em entrevista ao ICL Notícias.

Ela conta que entrou em contato com a prefeitura pelos canais oficiais para tentar entender melhor os impactos das obras. A única resposta que recebeu foi: “árvores serão cortadas”.

Após a resposta vaga, ela encaminhou pedido de esclarecimento para os vereadores e para os deputados estaduais. Depois, fez uma faixa com um “pedido de socorro” e a pendurou na sacada de seu apartamento. “Hoje, essa faixa com os escritos ‘SOS Arthur Bernardes’ acompanha o movimento em todas as suas manifestações”, disse a bióloga.

Cartaz que acompanha o movimento. (Foto: Arquivo pessoal/Ivonete Hasse)

O movimento tem ganhado força, tendo em vista os transtornos que a obra tem gerado para a população. Segundo Verônica, a cidade está parada. Ela explica que as obras estão gerando um caos e afetando a vida de muitas pessoas.

“Uma obra totalmente duvidosa tem impactado o trânsito e o ir e vir das pessoas”, pontuou a articuladora.

Problemas administrativos da obra

Verônica ainda critica o andamento do processo das obras como um todo.

“Não é sobre árvores, são muitas outras coisas. A prefeitura é autoritária e não fez uma audiência pública, o projeto de licitação está cheio de falhas, não houve sequer apresentação das alternativas locacionais — que são os arranjos que consideram diversos locais para um empreendimento, afim de garantir sua viabilidade ambiental, técnica e econômica — que é obrigatório. Também não foi feito um estudo de impacto ambiental adequado, nem de vizinhança, ou seja, essa obra passou por cima da legislação, não apenas na questão ambiental, mas também da administrativa”.

O SOS Arthur Bernardes já apresentou denúncia contra a obra do Inter 2, que resultou numa liminar do Ministério Público, para a interrupção das obras. Entretanto, a prefeitura entrou com um recurso que suspendeu a liminar.

Na última quarta-feira (7), o movimento, através da ONG Observatório de Justiça e Conservação, deu entrada numa ACP (Ação Civil Pública).

Os moradores estão nessa luta desde maio de 2023, quando Ionete se deu conta da derrubada das árvores e iniciou o movimento. Desde então, o grupo já reuniu mais de 10 mil assinaturas de cidadãos contrários à continuação das obras.

Casos semelhantes

A luta pela preservação do meio ambiente não tem sido combatida apenas em Curitiba. Na última quarta (7), a vereadora eleita Renata Falzoni (PSB-SP) foi detida pela Guarda Civil Metropolitana de São Paulo (GCM) nesta quinta-feira (07), durante um protesto contra a derrubada de árvores na Vila Mariana.

Diversas manifestações surgiram após a prefeitura de São Paulo determinar a criação de dois túneis na Vila Mariana, que exigiria a derrubada de 180 de árvores da região.

Falzoni se manifestou sobre as obras, dizendo que “o túnel não vai resolver a questão da mobilidade, vai desalojar 500 pessoas que moram do lado norte dele e vai matar a nascente do rio. Pra que ele seja construído, será necessário desmatar 180 árvores de um canteiro central, que faz parte de uma linha verde de utilidade para os animais cruzarem do parque do Ibirapuera até o parque da Aclimação. Vai gerar tudo isso, além de retirar uma ciclovia que foi construída há apenas dois anos”.

 

*Estagiário sob supervisão de Chico Alves

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