Por Jeniffer Mendonça — Ponte Jornalismo
Um cabeleireiro de 31 anos denuncia ter sido vítima de racismo em um comércio de Praia Grande, no litoral paulista, no último dia 21 de outubro. Ele conta ter passado no Prático Supermercado para comprar carne e tempero. Ao sair, no caminho de casa, na avenida do Trabalhador, o jovem foi abordado por uma mulher que corria em sua direção.
“Notei que era a moça do mercado, que perguntou para mim: ‘Tu viu um celular?’. Eu respondi ‘como assim?’”, conta ele. No vídeo gravado pela vítima é possível ver a mulher questionando-o. E o cabeleireiro respondendo se ela queria revistá-lo. O jovem questiona em seguida se ela havia feito a mesma pergunta a outras pessoas. “Eu perguntei ‘você quer que eu vá ao mercado?’ e ela disse ‘eu gostaria’”, prossegue.
Em outro vídeo, o jovem, que é negro, mostra outras mulheres que teriam acompanhado a funcionária e pede para que fossem mostradas as câmeras de segurança do estabelecimento, o que a atendente não consegue fazer e os vídeos da tela do computador se apagam. O episódio aconteceu por volta das 14h.
‘Foi uma humilhação’, diz jovem
“Para mim foi uma humilhação. Tinha um monte de gente no mercado, por que ela só foi atrás de mim? É por que sou negro e tatuado?”, revolta-se o jovem.
Enquanto a dona do celular supostamente furtado aguardava numa sala acima no mercado, o cabeleireiro contou com a ajuda de uma cliente para chamar uma viatura da Polícia Militar. De acordo com ele, a PM anotou as documentações dele e da atendente, verificou se ele tinha passagem criminal, e fez registro do chamado, que foi entregue para as partes. No documento, o episódio é descrito como uma ocorrência de “desinteligência”, ou seja, de desentendimento, e não há indicação das medidas tomadas.
“A mulher não veio dar satisfação, não falou de celular”, afirma ele. “Eu ainda disse para o policial ‘pergunta para ela sobre esse celular’. Aí ela vira e fala assim ‘não, não, deixa esse celular pra lá’, na frente dos policiais. Os policiais assim ‘normal’. Ela também normal. Todo mundo normal, tipo como se tivesse sido um engano e deixa pra lá”, relata ele.
O cabeleireiro ainda foi à delegacia da cidade tentar registrar boletim de ocorrência. Segundo ele, uma delegada pediu que ele estivesse com todas as provas do ocorrido para fazer o registro, o que o jovem não tinha naquele momento, e informou que ele teria de ir à capital paulista formalizar a denúncia na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).
Essa conduta da Polícia Civil, porém, não é correta: nenhuma delegacia pode se negar a registrar uma ocorrência, mesmo que não seja especializada na investigação, uma vez que o boletim de ocorrência é encaminhado para a unidade responsável de qualquer maneira. Também não pode requisitar uma série de provas para formalizar a situação, pois esse é um trabalho que será feito no decorrer da apuração e não no momento do registro.
“Eu me senti envergonhado”, lamenta o cabeleireiro. “Agora eu dou a volta para não passar na frente [do mercado]”.
A mãe do jovem disse à reportagem que ele ficou abalado psicologicamente por passar, desde a infância, por situações recorrentes de racismo. A pedido dela, a Ponte omitiu a identidade do filho, pois ele está a procura de emprego e ela teme que a repercussão do caso o prejudique ainda mais.
O que dizem as autoridades
A Ponte procurou por e-mail, telefone e redes sociais a unidade de Praia Grande da rede de supermercados Prático, mas não houve resposta.
A reportagem também questionou a Secretaria da Segurança Pública (SSP) o atendimento da ocorrência no local e na delegacia localizada no bairro do Boqueirão. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, enviou a seguinte nota:
A Polícia Civil esclarece que todo o seu efetivo é orientado a registrar toda e qualquer ocorrência levada pelas vítimas ao distrito, além de disponibilizar à população a Delegacia Eletrônica (www.delegaciaeletronica.policiacivil.sp.gov.br) — um meio online de oficializar o boletim de ocorrência. Deste modo, a Corregedoria da Polícia Civil se mantém à disposição da vítima para registrar e apurar qualquer denúncia contra seus agentes, bem como efetuar o registro do B.O.
Na tarde do último dia 21, policiais militares foram acionados para atender uma caso de desinteligência, na Avenida do Trabalhador, no bairro Antártica, em Praia Grande. No local, apuraram que uma mulher, de 43 anos, foi abordada por uma funcionária de um mercado, acerca de um celular furtado. Os agentes orientaram as partes a registrarem a ocorrência junto à Polícia Civil.
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