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Bolsonaro e a Morte

A palavra 'morte' ronda ocasionalmente o espectro das instituições e já produziu eventos drásticos na história do Brasil
21/11/2024 | 16h33

A palavra “morte” não penetrou a seara da política pelas mãos de Bolsonaro. Ela ronda ocasionalmente o espectro das instituições e já produziu eventos drásticos na história do Brasil. Mas ninguém, em tempo algum, teve tanta proximidade com ela quanto a tanatofilia que se instalou em Brasília em 2019.

Getúlio Vargas foi levado ao suicídio como consequência do atentado na Rua Tonelero, ocorrido em 4 de agosto de 1954, que vitimou o Major Rubens Vaz, seu segurança pessoal.

Em 4 de dezembro de 1963, o então senador Arnon de Mello, pai do indigitado Fernando Collor de Mello, atirou no desafeto Silvestre Péricles, mas acertou e matou o acreano José Kairala em plena sessão do Senado. Ninguém jamais foi punido.

Três anos mais tarde, em 1966, um atentado malsucedido contra a vida do ditador Costa e Silva deixou 2 mortos e 14 feridos no Aeroporto de Guararapes, em Recife. Costa e Silva nem estava no local quando uma bomba explodiu. A ditadura militar brasileira se instalou sem que um tiro fosse disparado. Mas, nos anos que se seguiram, ao menos 434 brasileiros foram mortos ou desapareceram em salas de tortura ou ações terroristas promovidas por agentes do Estado, depois anistiados. Entre eles, Brilhante Ustra, guru e inspirador dos Bolsonaro.

O próprio Bolsonaro tramou ações terroristas visando aumentar o soldo dos oficiais. Em 1983, ele desenhou um croqui para a Revista Veja descrevendo como pretendia explodir bombas em instalações militares e em uma adutora do Rio Guandu para provocar terror e pânico no Rio de Janeiro. Virou presidente da República.

A República das Alagoas teve um fim trágico. Em 1996, o homem da mala de Fernando Collor de Mello foi morto em uma casa de veraneio na semidesértica praia de Guaxuma, ao norte de Maceió. A apuração do crime foi um espetáculo farsesco. A hipótese defendida pela família, de homicídio pela namorada seguido de suicídio, chegou a ser desmascarada, mas ninguém foi punido pelo assassinato de PC Farias e Suzana Marcolino.

Dois crimes marcaram o ano de 2018. Foi graças a uma tentativa desastrada de homicídio que Jair Bolsonaro se tornou presidente. Adélio Bispo, este sim um legítimo lobo solitário, cravou-lhe uma facada na barriga. Quando se recuperou, o desprezível capitão havia deixado o baixo clero congressual para se transformar no que virou.

O outro crime vitimou a vereadora Marielle Franco. Foi a partir daí que a simbiose entre bolsonarismo e mortes ficou escancarada. Seus seguidores execraram, demonizaram e vilipendiaram de todas as formas a memória de Marielle.

Cometido por milicianos e pistoleiros vizinhos da casa do Messias da morte, esse assassinato permaneceu insolúvel durante todo o governo Bolsonaro graças a uma poderosa engrenagem de policiais e políticos corruptos. Soube-se depois que milicianos investidos de mandato parlamentar encomendaram o atentado – mas só quando a Polícia Federal, sob as ordens de Flávio Dino, elucidou o caso.

O tesão de Bolsonaro pela morte ficou claro durante a pandemia. Ele fez troça dos doentes e pouco caso das centenas de milhares de mortos que iam sendo jogados nas valas dos cemitérios. Foram mais de 700 mil mortos – e não se viu um único gesto de solidariedade ou humanidade da parte da facção governante.

Agora se sabe que o capitão com vocação de terrorista urdia o assassinato de adversários políticos que venceram o jogo eleitoral. Um general terrorista que lhe serviu até de ministro interino da Secretaria-Geral da Presidência da República tramou uma série de atentados macabros cuja execução chegou a ser iniciada e foi abortada porque faltou coragem ao chefe da gangue para decretar o Estado de Sítio que daria a indumentária jurídica ao golpe nefasto.

Por sorte, a falta de competência dos militares encarregados da missão homicida poupou o País do horror e do pânico que os terroristas fardados pretendiam provocar. Foi por um triz. Mas a sanha assassina que fez crispar os olhos dos perversos e dos incautos inoculou o vírus da crueldade como arma de ação política entre a população.

Hoje, um exército de fanatizados de cérebro lavado está à espreita da primeira oportunidade de infundir novamente o terror. Não é preciso mais do que um passeio pelas postagens da extrema direita no Twitter para ver que a crueldade está instalada entre nós.

E também não é necessário ter uma memória privilegiada para entender que a morte como instrumento da ação política tem provocado tragédias no entorno do feudo bolsonarista. Aí estão as mortes do matador Adriano da Nóbrega e de Gustavo Bebianno, ambas ocorridas em circunstâncias no mínimo estranhas. Todos esses fatos têm uma característica em comum: a falta de punição para os carrascos, os que os contratam e os que se beneficiam dos crimes políticos contra a vida.

Definitivamente, o Brasil é um país violento, muito distante do mito de terra pacífica em que golpes ocorrem sem perda de vidas, como na Proclamação da República e em 1964. É por isto que o País não pode perder esta oportunidade histórica de ensinar aos verdugos e golpistas que golpear, prender, matar ou sequestrar inimigos do Estado é um crime grave e não pode ser tolerado, muito menos anistiado.

Estamos 40 anos atrasados em relação à Argentina, que meteu seus generais assassinos na cadeia em meados dos anos 80. Se esta oportunidade passar em branco, se nada acontecer com os verdugos bolsonaristas e com o próprio Bolsonaro, o terror estará consagrado como ferramenta de ação política e a estabilidade institucional estará irremediavelmente perdida

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