Por Heloisa Villela
O relatório da Polícia Federal detalha o trabalho de coordenação do general Mário Fernandes, ex-secretário executivo da Secretaria Geral da Presidência da República, para unificar e difundir informações falsas sobre as urnas eletrônicas. Mário Fernandes trabalhou para organizar e dar visibilidade a uma audiência pública, no Senado Federal, convocada com o objetivo claro de descredibilizar o processo eleitoral e pedir, em uníssono, um golpe de estado. Discurso unificado, divulgação em massa e mobilização popular eram as principais armas utilizadas nesse momento.
Essa sessão no Senado, realizada no dia 30 de novembro de 2022, também revela o envolvimento de civis no processo. O desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Sebastião Coelho, é um deles. Disse, na audiência pública, que anunciou a própria aposentadoria porque não ia cumprir as determinações do ministro Alexandre de Moraes. “Eu disse que ele fez uma declaração de guerra ao país, senador Girão, e infelizmente eu estava certo. Ele está, senador Heinze, fazendo, está guerreando contra o país”, afirmou o desembargador. Nessa audiência, realizada apenas 15 dias antes da tocaia para matar Moares, ele ainda disse que passou pelo acampamento e fez discurso defendendo a prisão do ministro do Superior Tribunal Federal.
O objetivo da sessão era bem claro: promover a ideia de que Jair Bolsonaro devia dar um golpe de Estado invocando o artigo 142 da Constituição. O relatório da Polícia Federal destaca que houve coordenação para acertar o discurso unificado e a propagação das mentiras para desacreditar o sistema de votação eletrônica do Brasil. Uma chaga que não se fechou. Em novembro deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara foi palco de uma manifestação, com faixas gigantescas, repetindo o mantra de que confiável mesmo, somente o voto impresso.
Dois anos atrás, no Senado, o desembargador Coelho repetiu o discurso combinado: “A sociedade brasileira sofreu um golpe praticado pelo Supremo Tribunal Federal ao não cumprir a Constituição. E qual é a solução constitucional? O presidente da República invocar o art. 142 da Constituição para dar legitimidade às Forças Armadas para agirem”. O país acompanhou as cenas de pessoas rezando nas portas dos quartéis do Exército depois da vitória do presidente Lula nas urnas.
General tratava golpe como ação legal
O general e seus comparsas se esforçaram para vender a ideia da ruptura democrática como se não fosse um golpe de Estado. Tudo muito claro e declarado, explicitado na fala de Coelho: “Se as Forças Armadas agirem de ofício, vai ser colocado como um golpe, embora seja um contragolpe. Mas, se o presidente da República convocar, não, porque ele está exercendo seu poder constitucional de utilizar para garantir a ordem pública”, afirmou.
Os organizadores da trama golpista alistaram um segundo desembargador aposentado para emprestar o nome e a carreira ao esforço. Ivan Ricardo Garisio Sartori, do TJ de São Paulo, também depôs na sessão para reforçar o discurso combinado de antemão. “O artigo 142 é claro no sentido de que o poder coator pode efetivamente representar às Forças Armadas para que ela tome as providências. Não se fala em golpe, mas se fala numa intervenção pontual para que cesse esse estado de coisas”, disse.
Segundo o relatório da Polícia Federal, o general Mário Fernandes se encarregou de organizar a sessão no Senado para que ela tivesse publicidade e a imagem de apoio popular. Por geolocalização e ao analisar as trocas de mensagens no celular do general, a PF concluiu que ele esteve na Esplanada dos Ministérios para coordenar a produção de fotos e vídeos de manifestantes e somar às informações da sessão no Senado. Também fica clara a coordenação com o senador Eduardo Girão (Novo-CE).
Em mensagem gravada, o general Mário Fernandes avisa ao coronel Reginaldo Vieira de Abreu que a audiência no Senado vai expor a fraude eleitoral e que muita gente acampada diante do QG em Brasília foi para o Senado participar. “Foi o Girão que fez votar e foi aprovada por unanimidade”, diz o general. Ele também conversa com o general Braga Netto e pede que ele grave um vídeo para esse esforço publicitário da tentativa de golpe. Ele faz o mesmo com o general Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Fernandes destaca que o grupo tem condições de dar ampla divulgação aos vídeos e que o objetivo é mobilizar os acampados na frente do quartel. “A gente quer atingir o público que tá no QG e Brasília, também, ainda hoje, pra tá aqui no Congresso”, explicou. Nesse mesmo dia, o general tramava a organização de um protesto na Esplanada dos Ministérios chamada de “Manifestação pela liberdade”.
Um documento da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal lista Germano Schaffel Nogueira como o responsável pelo evento. Ligado ao agronegócio, Germano tinha relações com o General Mário Fernandes. No dia 19 de dezembro, 11 dias antes da sessão no Senado, o general enviou uma mensagem ao responsável pelo protesto com incentivos para que mantivesse a mobilização. “E, meu amigo, aguarda, mantém as mesmas ações, a mesma vontade, certo? No apoio a nós, tá ok? A gente continua acreditando muito. Mesmo porque a gente considera que não existe outra saída”, diz o general.
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