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Andrea Dip

Jornalista investigativa e estudante de psicanálise. Autora do livro-reportagem “Em nome de quem? A bancada evangélica e seu projeto de poder". É pesquisadora na Freie Universität de Berlim e apresenta o podcast Pauta Pública na Agência Pública de Jornalismo Investigativo.

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Estamos à beira de uma guerra nuclear?

Em entrevista à coluna, jornalista e pesquisador fala sobre escalada do conflito entre Rússia e Ucrânia
27/11/2024 | 09h18

Após mil dias de guerra, o conflito entre Rússia e Ucrânia continua sem sinais de resolução e nos últimos dias escalou a ponto de pesquisadores estarem preocupados com a possibilidade de uma guerra nuclear.

Alguns países da Europa, como a Alemanha, Suécia e Finlândia, já têm preparado sua população para um possível avanço da Rússia.

A escalada acelerou quando, no apagar das luzes de seu governo, Joe Biden autorizou o uso de armas ocidentais contra o território russo, incluindo mísseis de longo alcance, em uma tentativa de fortalecer a posição ucraniana antes de qualquer negociação que possa vir com o Governo Trump. Essa decisão foi duramente criticada pelo círculo próximo de Trump, e aumentou as tensões com Moscou, que respondeu com novos ataques e ameaças de Putin de que o conflito pode se transformar em uma Terceira Guerra Mundial.

Num discurso à nação, ele disse que com a utilização de mísseis ocidentais de longo alcance contra alvos na Rússia, o conflito na Ucrânia adquiriu “elementos de carácter global” e ameaçou atacar países cujos mísseis fossem disparados contra território russo.

Moscou também reforçou suas posições, incluindo a utilização de tropas norte-coreanas.

Analistas políticos vêm dizendo que esse pode ser o ápice das ameaças nucleares de Putin nesse conflito, que vêm sendo feitas desde o começo da guerra em 2022.

Vale lembrar que Putin comanda o maior arsenal nuclear do mundo, algo superior mas equivalente militarmente ao dos Estados Unidos.

Enquanto isso, a Europa se divide. A perspectiva de ter de acolher milhões de refugiados e financiar uma sangrenta guerra nos próximos anos não é muito atraente, e inclusive na Alemanha esse discurso tem sido usado por partidos de extrema direita como a AfD, para se opor ao envio de armamentos para a Ucrânia.

O chanceler alemão Olaf Scholz, apesar de reiterar seu apoio à Ucrânia, tem resistido a enviar os mísseis Taurus, que tem um alcance de 500 km, mais do que os mísseis americanos, justamente por temer uma retaliação russa. Mas tudo isso pode mudar, já que o país terá novas eleições em fevereiro.

Já o Ministro das Relações Exteriores da França garantiu que seu país apoiará os ucranianos “fortemente e durante o tempo que for necessário”, disse que a Ucrânia pode disparar mísseis franceses de longo alcance contra a Rússia “como autodefesa” e declarou a possibilidade de convidar a Ucrânia para a OTAN, como o presidente Volodymyr Zelensky solicitou.

Para refletir sobre essa situação crítica, a coluna entrevistou Anastasia Spartak, jornalista e pesquisador político independente que foi perseguido pelo governo russo e agora vive na Alemanha.

A guerra entre Rússia e Ucrânia parece estar em um ponto crítico e em rápida escalada. Para começar com alguma contextualização, qual é a situação geral neste momento?

Neste momento, está claro que a Ucrânia está perdendo e por isso o discurso do Ocidente está mudando. Tem se tentado entender o que fazer em seguida, que tipo de medidas é preciso tomar. E parece que a ala mais agressiva militar dos EUA venceu e cedeu os mísseis ATACMS. Esse foi um sinal claro de ataque para o Kremlin de Moscou, que respondeu. Eles atacaram a fábrica Yuzhmash em Dnipro (Ucrânia) com um míssil balístico chamado Oreshnik. É um míssil novo e ninguém sabia que eles o tinham.

Eles atacaram essa fábrica para mostrar para o ocidente o que farão caso se forneça mais mísseis de longo alcance para a Ucrânia. Os ucranianos estão agora tentando receber mísseis alemães, e essa é uma grande ferramenta para o jogo político que estamos observando na Alemanha. A Alemanha terá novas eleições em fevereiro e Friedrich Merz, da CDU (Democracia Cristã) tem grandes chances de ser o novo chanceler alemão.

Friedrich Merz já fez uma declaração de que fornecerá mísseis Taurus para a Ucrânia, para chantagear a Rússia, algo como “Vocês têm que acabar com essa guerra em 24 horas ou nós enviaremos os mísseis”.

É preciso entender que não se pode vencer a guerra com esses mísseis, é impossível. Eles podem atingir algo importante em Moscou ou algumas fábricas de armamentos, centros de comando, até mesmo usinas nucleares, mas não é possível vencer só com isso. É apenas uma forma de negociar a posição futura desse grande negócio. É um negócio de guerra.

Na semana passada Putin fez uma edição especial para a TV em que disse: “Ok, parece que os países ocidentais vão nos atacar com mísseis, então temos que responder”. E Dmitry Medvedev, líder do Conselho de Segurança da Rússia, seguiu essa linha. Ele disse: “Parece que eles querem esse inferno nuclear, os países ocidentais, e nós vamos dar a eles”. Mas, na verdade, eles tentam ser cautelosos. “Não queremos iniciar uma guerra nuclear” foi uma fala do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov para uma emissora de televisão árabe.

Portanto, digamos que por enquanto é apenas uma chantagem, mas ninguém sabe realmente o que a Rússia fará se atacarem Moscou ou algumas fábricas realmente importantes ou uma usina nuclear. E, neste momento, estamos no meio dessa escalada. É por isso que talvez alguns de nós estejam realmente assustados, porque a chance de uma guerra nuclear de fato é muito alta.

No apagar das luzes de seu governo, Biden autoriza o uso de armas ocidentais contra o território russo, incluindo mísseis de longo alcance, em uma tentativa de fortalecer a posição ucraniana antes de qualquer negociação que possa vir com o Governo Trump. Como você avalia essa decisão, e como vê a resposta de Putin?

A decisão de Biden foi realmente uma reviravolta na trama. Os russos achavam que Trump tinha vencido e que ele iria negociar. Que de alguma forma, ele e Putin eram bons amigos, tinham um relacionamento particular e por meio disso, eles poderiam de alguma forma acabar com essa guerra. Mas na verdade, isso não está claro no momento. Trump joga o próprio jogo.

Mas o que Biden fez foi permitir, antes de sua renúncia, o uso dos mísseis e dificultar a realização de um possível futuro tratado de paz. Isso significa que ele deixará essa herança para a administração de Trump, e eles terão que negociar um novo acordo.

Não sei dizer o que estava por trás da mente de Joe Biden. Talvez tenha havido uma ideia inteligente de colocar todos em risco, mas ganhar algum tempo para a Ucrânia, não sei.

Trump tem dito que irá acabar com a guerra em um dia, mas não explica como — o que tem gerado certa tensão, sobretudo entre os aliados da Ucrânia. De que maneira a eleição de Trump está interferindo na escalada e nos rumos desse conflito?

Sim, essa é a pergunta mais importante. Mas ninguém sabe, porque recebemos sinais controversos da Casa Branca. Por exemplo, Trump colocou Tulsi Gabbard no comando de todos os serviços de segurança dos EUA e ela era contra o auxílio à Ucrânia. Ela não era pró-Rússia, mas era mais do tipo: “Temos que economizar esse dinheiro dos impostos para nós mesmos, não para a Ucrânia”. E há muitas pessoas como ela no comando da administração de Trump.

Houve alguns rumores, inclusive publicados por grandes jornais europeus, de que Trump e Putin tiveram uma conversa por telefone, mas depois a retiraram, como se nunca tivessem publicado. E, claro, Trump age como um louco. Talvez ele seja ainda mais agressivo do que o próprio Joe Biden em termos militares, talvez ele forneça mais armas ou chantageie Putin. Por exemplo, “se você não parar a guerra em 24 horas, eu lhe darei uma maldita ogiva nuclear”. O que Putin fará nessa situação? Portanto, há diferentes cenários e diferentes ideias em andamento.

Trump é um bom negociante capitalista, e existe a possibilidade de que ele e Putin, usando esse relacionamento privado, resolvam o problema de alguma forma. É tudo uma questão de negociação. Mas a essa altura só podemos supor.

Agora falando sobre a Europa, parece haver uma certa divisão entre os países membros da União Europeia com relação a continuar enviando armamentos e dinheiro. A França tem falado em enviar soldados e convidar a Ucrânia a fazer parte da OTAN, a Alemanha fala em apoio total mas não quer enviar os mísseis Taurus… Como você vê o papel da Europa nessa guerra?

No momento, estou morando aqui na Europa e vejo que ninguém está realmente protestando contra a verdadeira guerra que se aproxima. Não há nenhum movimento pela paz. É incrível como as pessoas entendem que algo perigoso está acontecendo, mas não protestam, não fazem nada.

Os principais jornais conservadores têm dito que Trump vai aumentar as apostas e pedir 4% do PIB para a defesa para os participantes da OTAN. Atualmente, os participantes pagam apenas 2%. O aumento significaria menos cobertura social e apoio às pessoas comuns, e mais para os fabricantes de armas, o que significa mais guerra.

Esses políticos europeus, especialmente aqui na Alemanha, em fevereiro, vão brincar com essa guerra que se aproxima e tenho muito medo de que Friedrich Merz ganhe e faça movimentos ousados, mas que na verdade significam passos agressivos em direção a uma nova guerra.

Na Suécia, eles distribuíram esses pequenos folhetos, que diziam: “E se a guerra ou o desastre chegar à sua casa?”, e os entregaram às pessoas comuns. É como se estivéssemos nessa situação em que todos sentem que algo terrível está acontecendo, mas não podemos impedir isso de forma alguma. É um pesadelo.

Na Alemanha a extrema direita tem usado a guerra na Ucrânia para ganhar eleições, aproveitando a insatisfação popular com o financiamento da guerra para se por como defensora da paz. Pode falar um pouco sobre isso?

Sou membro do Die Linke (Partido de esquerda alemão). E eu estava fazendo campanha aqui na minha cidade, e vi como perdemos e como a AfD desenvolveu sua própria narrativa independente e como eles querem os corações e as mentes de seu povo.

Não há nenhum partido, exceto eles e Sahra Wagenknecht (que fundou o próprio partido populista, o Aliança Sahra Wagenknecht) na Alemanha que realmente não queira guerra.

Alguns pesquisadores independentes, como os antifascistas, dizem que Putin e a Rússia são um país conservador com uma grande tradição ortodoxa e uma população branca, e é por isso que existe essa forte conexão entre os partidos de extrema direita na Europa e na Rússia.

Foi assim que Sahra ganhou 14% nessas regiões livres do leste da Alemanha. Por outro lado, nós, do Partido Die Linke, perdemos porque nunca desenvolvemos nossa própria posição sobre essa guerra.

E é por isso que, nesse contexto, a AfD e o Sahra Wagenknecht ficaram em primeiro lugar nas últimas eleições. Ontem eu vi as novas pesquisas de opinião que dizem que cerca de 70% da população alemã tem medo de que Putin invada a Alemanha.

O ataque final a Berlim, a campanha de assalto em maio de 1945, quando os soldados soviéticos chegaram aqui, envolveu 4 milhões de pessoas apenas para invadir uma capital. Portanto, se a Rússia entrar em uma guerra de fato com toda a Europa, quantas pessoas precisam estar lá, precisam ser treinadas? Eles não tem munição, armas e pessoas, ninguém tem. Mas eles têm armas nucleares. É por isso que estou com medo.

O futuro não me parece muito brilhante.

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