Por Gabriel Gomes
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), enviou à Câmara dos Vereadores o Projeto de Lei Complementar 186/2024, que propõe uma espécie de “Reforma Administrativa” no município. O PLC tem sido alvo do protestos de servidores públicos, sobretudo dos profissionais da educação, uma das categorias dos mais afetadas. A classe afirma que o projeto faz parte de um “pacote de maldades”.
O projeto, que ainda não foi votado na Câmara por conta dos protestos dos servidores, tem medidas como o fim da licença especial de servidores e mudança na contagem da carga horária de professores. Os servidores também são contrários à mensagem nº 116 do prefeito, que prorroga em até cinco vezes os contratos temporários de pessoal.
Para falar sobre o projeto e a luta dos profissionais da educação, o ICL Notícias entrevistou a coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Seperj), Helenita Beserra.
ICL Notícias: Quais são os principais pontos do Projeto de Lei Complementar 186/2024, enviado pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) à Câmara, que motivaram protestos dos servidores?
Helenita Beserra: O PLC 186 é, na verdade, uma Reforma Administrativa. Pega o estatuto do servidor municipal e apresenta uma série de alterações, algumas atingem diretamente a educação e outras pegam os servidores, de modo geral.
Uma das que atinge os servidores como um todo é o fim da licença especial. O benefício pressupõe que, depois de cinco anos de trabalho sem ausências, você passa a ter direito a 90 dias afastado do serviço, que você tira quando você vai se aposentar. O fim da licença, no entanto, não está pegando todos os servidores. Tem alguns, como os procuradores do município, que não serão afetados. No nosso entender, isso quebra a isonomia. Nós não defendemos que a licença especial seja extinta, mas se for, que seja para todo mundo. Em outras redes, a licença especial existe e é aplicada.
Outro ponto é que o projeto propõe o parcelamento das férias. O que acontece é que na empresa privada o funcionário pode parcelar e, inclusive, vender uma parte das férias. Isso não se aplica, até o presente momento, ao servidor público.
Na educação, isso é muito mais sério porque o professor, para sobreviver, precisa muitas vezes trabalhar em mais de uma rede, pública ou privada. A legislação estabelece o mês de janeiro como de férias. Nós temos o mês de janeiro e temos o recesso do meio do ano, normalmente na segunda quinzena de julho, porém não é regra para todas as redes. Quando há diferenças, muitas vezes o profissional não consegue descansar.
Além disso, se você escalona as férias e divide em três parcelas, como o prefeito propõe, eu posso tirar 10 dias em março e serão dias que o aluno ficará sem aula porque não há servidores suficientes para cobrir esse período. Na educação, esse parcelamento é inviável e extremamente danoso para a saúde mental do profissional.
É uma série de medidas que estamos chamando de pacote de maldades. Mas são medidas que não atingem só a educação. A educação reagiu na frente porque é onde tem o maior número de servidores dentro do município.
E quais os outros pontos que afetam diretamente os profissionais da educação?
Outro ponto que o projeto coloca é uma alteração da carga horária do profissional. Todo mundo sabe, é nacional, que a carga horária do profissional, de sala de aula, é de 50 minutos. O professor trabalha uma hora, sendo 50 minutos direto com o aluno e tem 10 minutos de intervalo e mudança de turma porque o professor não tem uma sala que o aluno se desloque para ela, como acontece em outros países. Nos 10 minutos de intervalo, o professor pode pegar um material, beber uma água ou ir ao banheiro.
Quando ele propõe mudar essa carga horária, e inclusive desconsiderar o horário de recreio como trabalho, mexe com uma série de coisas. Como o horário do recreio, em que o professor está na escola, não é computado como horário de trabalho dele? É nesse momento do intervalo que o professor consegue, dentre outras coisas, dialogar com os colegas em busca de estratégias para resolver casos peculiares.
O que o governo quer é aumentar o tempo do professor em sala de aula. Porém, não é aumentar o tempo do aluno também não, o aluno não passará a ter 60 minutos de aula, é apenas o professor. Com essa diferença, ele consegue fazer com que o professor atenda mais turmas porque existe uma carência enorme na rede e o que ele quer fazer é aumentar a carga horária do professor para cobrir mais turmas, ao em vez de chamar concurso. É uma sobrecarga de trabalho não remunerada. A mudança também ataca uma lei nacional que define um terço da carga horária do professor para planejamento das aulas.
Quando o Eduardo Paes envia esse pacote, ele está buscando trazer para o setor público um método de trabalho que é da iniciativa privada, mas também está atacando frontalmente não só o estatuto do servidor, como também a qualidade do ensino, que já não é grande na rede municipal. Se o Ideb está alto, é muito pelo esforço do professor, e não pela estrutura que a Secretaria de Educação oferece para o trabalho.
Quais são as principais dificuldades dos profissionais da educação hoje na rede municipal do Rio?
O servidor, hoje, recebe R$ 12 de auxílio-alimentação por dia para poder se alimentar. Qual é a pessoa que consegue almoçar por R$ 12? É o que o governo municipal oferece. As nossas escolas, em grande parte, não têm climatização, são salas de aula lotadas.
O governo, nessa de atuar junto à iniciativa privada, em vez de construir creches, está contratando, sublocando instituições privadas para colocar o aluno da escola pública. E aí, parte do dinheiro da educação é desviado para esse trabalho que é feito junto às creches da iniciativa privada. A merenda está com baixa qualidade, são uma série de problemas. Nós temos, ainda, concursados que não são chamados.
Um outro ponto do projeto que ele está tentando aprovar é a questão dos contratos temporários, que é para substituir uma carência. O que o governo municipal quer é utilizar esses contratos para substituir concursos, com contratos renováveis por até seis anos. Esse servidor contratado não vai, por exemplo, recolher a contribuição para o sistema único do servidor, mas sim para o INSS. O sistema do servidor fica, então, cada vez mais desfalcado.
Vocês esperavam um pacote desses vindo do Eduardo Paes?
Enquanto liderança sindical, independente de qual seja o governo, a postura do sindicato é a mesma, não importa o partido político de quem está sentado na cadeira do Executivo. O sindicato cobra algumas coisas, uma delas é o direito assegurado dos servidores públicos, além de estrutura e condições para o profissional realizar seu trabalho porque, em última instância, nós brigamos por uma educação de qualidade. Essa escola de qualidade é formada por profissionais bem remunerados, com condições de trabalho para poder trabalhar.
E com relação ao Renan Ferreirinha, atual secretário de Educação do Rio? Vocês esperavam medidas nesse sentido, sobretudo considerando a relação com a Fundação Lemann?
A gente não espera de nenhum grupo que tenha um histórico ligado à iniciativa privada nada que não seja trazer o projeto neoliberal para dentro da escola. Essa política de terceirizar creches e tudo mais que ele (Ferreirinha) está desenvolvendo, a gente já esperava. Mas pegar o estatuto do servidor, picotar, sem ao menos dialogar com as categorias envolvidas, é um absurdo que a gente não pode aceitar.
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