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A partir de janeiro do ano que vem, qualquer empresa alemã que desmatar florestas no Brasil ou comprar de desmatadores podem ser multadas em até 2 milhões de euros (cerca de R$ 11 milhões), além de ficarem proibidas de fechar contratos com órgão públicos por três anos.

A lei – que também vale para outros tipos de violações ambientais e de direitos humanos em qualquer país do mundo – não é exclusividade da Alemanha. Outros países do bloco estão aprovando legislações que apertam o cerco contra empresas europeias que promovem ou financiam desmatamento no Brasil, mesmo que indiretamente.

Uma lei francesa desse gênero, por exemplo, foi utilizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) brasileira, juntamente com organizações ambientalistas e de direitos humanos internacionais, para denunciar o banco BNP Paribas em outubro. O argumento da CPT é que a instituição financeira estaria fomentando a derrubada da Amazônia por meio de investimentos feitos no frigorífico brasileiro Marfrig.

“Há conexão entre os crimes que acontecem no campo e os atores econômico-financeiros”, disse, na ocasião, Xavier Plassat, coordenador da Campanha contra o Trabalho Escravo da CPT. “O BNP Paribas organiza a captação de recursos para que essa cadeia produtiva [da pecuária] funcione e fecha os olhos para essas violações. Por isso, se torna co-responsável nos termos da legislação francesa”.

Um relatório lançado nesta segunda-feira (28) pela Repórter Brasil – o Monitor #19 – reforça esse vínculo, mostrando o desencontro entre o que o BNP Paribas diz que faz e o que acontece na prática. Um exemplo é o fato de a empresa afirmar que “em 2021, reforçou sua contribuição para o combate ao desmatamento na Amazônia e no Cerrado, adotando novos critérios”. No entanto, dados da coalizão Florestas & Finanças mostram o oposto: esse foi justamente o ano do financiamento mais alto do BNP Paribas a Marfrig,  um dos três grandes frigoríficos brasileiros, sendo que a pecuária é um dos principais vetores de desmatamento na Amazônia. Ao todo, o valor total do banco destinado aos três frigoríficos, que colocam em risco mais de 6 milhões de hectares de floresta, é de 456,5 milhões de dólares.

A investigação da Repórter Brasil mostra ainda como a Bunge, outra gigante do agronegócio envolvida em casos de desmatamento, também foi financiada por bancos franceses que são obrigados a cumprir com a lei mencionada, que trata da chamada devida diligência. Um exemplo foi a primeira linha de crédito vinculada à sustentabilidade lançada pela empresa, em 2019 e cuja operação, no valor de 1,75 bilhão de dólares, foi colocada em pé pelo quarteto dos bancos mais poderosos da França: além de BNP Paribas, Crédit Agricole, BPCE Groupe e Société Générale.

Apesar de ser um crédito lançado para financiar ações de sustentabilidade, meses antes, a Bunge havia comprado soja de uma área desmatada no Mato Grosso. Apenas 13 dias antes do lançamento da linha de crédito verde, o Greenpeace Internacional publicou informações de que a Bunge estava sendo abastecida com soja “contaminada por violência e desmatamento” em Formosa do Rio Preto, município no Cerrado baiano.

“Apesar dos compromissos do setor financeiro com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris, a busca de empresas por lucros está nos levando a um desastre climático e de saúde pública”, condena Merel van der Mark, coordenadora da plataforma Florestas & Finanças.

Os bancos e empresas citados no relatório sobre desmatamento foram procurados. À exceção do BPCE, que nunca respondeu aos pedidos de esclarecimento, todos disseram que suas políticas de sustentabilidade são abrangentes e reforçaram suas metas de desmatamento zero. A íntegra das respostas pode ser lida aqui ou no relatório.

Lei supranacional

Assim como França e Alemanha, outros países europeus – e a própria União Europeia – estão desenvolvendo leis semelhantes sobre o desmatamento. Noruega e Holanda já possuem normas de responsabilização de empresas por violações socioambientais, embora sejam menos abrangentes. E Espanha, Dinamarca e Bélgica estão considerando adotar regulamentações desse tipo.

Em breve, é possível que todos os países do bloco europeu precisem se submeter a uma normativa supranacional que está em debate no Parlamento da União Europeia. “Será uma verdadeira virada de jogo na forma como as empresas operam suas atividades comerciais em toda a sua cadeia de suprimentos global. Não podemos mais fechar os olhos”, afirma Didier Reynders, integrante da Comissão Europeia. O colegiado aprovou, em fevereiro de 2022, a proposta de lei de devida diligência.

A norma prevê que é obrigação das empresas identificar e prevenir violações ambientais e de direitos humanos em todas as suas cadeias produtivas. Mas ela ainda precisa ser aprovada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho  – o que pode levar até um ano. Uma vez promulgada, os países da UE terão mais dois anos para transpô-la às leis nacionais.

“Vai ao encontro das preocupações dos consumidores que não querem comprar produtos feitos com trabalho forçado ou que destroem o meio ambiente. Também oferece segurança jurídica para as empresas sobre as suas obrigações”, complementa Věra Jourová, vice-presidente de Valores e Transparência da Comissão Europeia.

A UE também está em processo de adoção de uma regulamentação para limitar o desmatamento associado a produtos vendidos em seu mercado. A lei proposta cobrirá uma série de commodities que representam altos riscos de desmatamento em seus países de origem.

Lei francesa, efeito no Brasil

Foi justamente por conta dessa associação com o desmatamento e da lei de responsabilização na França que organizações brasileiras e internacionais vêm conseguindo cobrar corporações francesas cujas atividades levaram à derrubada da maior floresta tropical do mundo. No último ano, foram três reclamações formais contra três empresas diferentes.

Além do caso da CPT contra o BNP Paribas, em março, o McDonald’s foi notificado por sindicatos de trabalhadores para que adotasse e implementasse um plano de vigilância em conformidade com as exigências legais e que fosse capaz de garantir que seus fornecedores não estivessem envolvidos em crimes ambientais ou infrações trabalhistas. A denúncia contra a marca ocorreu depois que a Repórter Brasil revelou a existência de violações trabalhistas e ambientais na produção de soja, café, laranja e carne que abastecem a rede de fast food.

Talvez o caso mais famoso envolvendo essa legislação francesa tenha ocorrido no ano passado, quando povos indígenas da Amazônia e ONGs internacionais entraram com uma ação contra o grupo de supermercados Casino. O caso gira em torno do fato de que, no Brasil, a rede de supermercados Pão de Açúcar, que faz parte do grupo Casino, revendia carne da JBS proveniente de 592 fornecedores que haviam desmatado uma área cinco vezes maior do que Paris.

Brasil de Fato

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