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Ex-CEO da Americanas diz que empresa quer proteger trio de bilionários. CPI chega ao fim sem apontar culpados

Esta é a primeira vez que um ex-executivo da Americanas aponta publicamente para uma possível participação dos acionistas no escândalo.
05/09/2023 | 13h48

Em uma manifestação por escrito, de 17 páginas, à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a Americanas, o ex-CEO da Americanas, Miguel Gutierrez, afirma que os controladores da empresa –  Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira – participavam ativamente da gestão das empresas e que tinham influência e controle sobre a contabilidade da companhia.

No documento, encaminhado na noite desta segunda-feira (4), e repercutido pela imprensa, Gutierrez afirma que a atuação era ainda mais forte na área financeira, onde foi executada uma fraude de R$ 20 bilhões revelada neste ano.

Esta é a primeira vez que um ex-executivo da Americanas aponta publicamente para uma possível participação dos acionistas no escândalo. “Como é notório, e como consta inclusive do famoso livro que conta a sua trajetória empresarial, o 3G (como é conhecido o trio) participa ativamente da gestão das empresas de seu portfólio e controla rigorosamente suas finanças”, afirmou.

Reportagem da Folha de S. Paulo destaca o trecho do depoimento sobre pressão por resultados positivos. “Como em todas as suas companhias (do trio de bilionários), havia uma intensa pressão por resultados positivos, controle rígido de despesas (mediante “aperto” comercial em cima de fornecedores) e incentivo ao “fanatismo” de seus executivos e funcionários pelo trabalho incessante. Eu nunca soube, porém, que essa pressão teria levado a atos de manipulação da contabilidade”.

Gutierrez afirma que em nenhum momento até seu último dia na empresa ouviu alguém falar em “inconsistências contábeis” ou “fraude” na empresa e que não tinha conhecimento de nada relacionado a isso. Ele também explica que, durante todos os anos e em todos os cargos, sempre se reportou a Sicupira, que chama de principal acionista da companhia. “Sicupira era por mim participado de todos os assuntos relevantes que fossem de meu conhecimento”, diz.

“Posso dizer com segurança que absolutamente tudo o que eu sabia o conselho de administração também sabia – sendo certo que, em função da intensa penetração de alguns membros do conselho nos negócios e atividades da companhia, o inverso seguramente não é verdadeiro”, afirma o ex-CEO.

Investigação feita pela Americanas foi nula e inexistente

Sobre a investigação feita pela Americanas após a revelação da fraude, Gutierrez diz que foi nula e inexistente e resultou em acusações falsas contra ele. A Folha de S. Paulo destaca o trecho: “Inicialmente, a Americanas tentou incluir, como membros do comitê independente, uma sujeita que integrava o comitê de auditoria (!!!) e um sujeito da KPMG, que havia auditado as contas da companhia no passado recente”, afirma ele, relatando que os nomes foram trocados após pressão de credores.

Além disso, diz ele, o comitê independente não teve participação na acusação contra ele. “O fato demonstra que a intenção da Americanas sempre foi culpar a antiga diretoria (e a mim, principalmente), para proteger o conselho de administração e os controladores”, diz.

No documento, Gutierrez também ressalta que “nem a cultura agressiva, nem a presença e a ingerência dos controladores se alteraram”, após a fusão da Lojas Americanas com a B2W, que resultou na diminuição percentual da participação acionária deles, e que foi comunicado por Carlos Alberto Sicupira em 2019 que seria desligado da empresa e que preparasse o processo de sucessão.

Ex-CEO faz acusações contra comitê de auditoria

Gutierrez acusa ainda o comitê independente de auditoria contratado pela empresa de estar a serviço dos acionistas de referência (Lemann, Sicupira e Telles). Um dos escritórios contratados, o BMAAdvogados, que atua em conjunto com o Vilardi Advogados. Ele diz que tentou ser ouvido três vezes, sem sucesso, com o argumento de que a investigação ainda estava no início. “Os subscritores do relatório não têm a independência necessária para realizar qualquer análise sobre responsabilidades pelo que ocorreu na Americanas, uma vez que eles certamente estariam impedidos de acusar seus clientes”, afirma o ex-CEO.

Miguel Gutierrez defende que não sabia de “problema contábil” na companhia, mas que a empresa enfrentava uma gravíssima dificuldade financeira e que precisaria de novo aporte de seus acionistas em 2023 para se manter operando.

Além disso, ele culpa um ataque cibernético em fevereiro de 2022 e o aumento dos juros na economia por uma queda das vendas em todo o primeiro semestre daquele ano. A empresa saiu de um caixa líquido de R$ 3,5 bilhões no terceiro trimestre de 2021 para uma dívida líquida de R$ 5,3 bilhões em setembro de 2022, “a maior de sua história”.

Em nota, a Americanas diz refutar “veementemente as argumentações apresentadas por Miguel Gutierrez”. “A companhia reitera que o ex-dirigente da Americanas não contestou em nenhum momento os documentos e fatos apresentados à Comissão no dia 13 de junho, que demonstram a sua participação na fraude”.

Guttierrez encaminhou o documento à CPI sob a justificativa de não poder comparecer presencialmente à mesma por estar em tratamento de saúde fora do país.

CPI da Americanas na véspera do fim: relatório não apresenta culpados

O relatório da CPI da Americanas afirma que, desde o início, estava claro que as fraudes na rede varejista não eram uma “mera desconformidade nos balanços da companhia” e indícios apontam para o envolvimento de ex-diretores e ex-executivos.

Mas o documento elaborado pelo deputado Carlos Chiodini (MDB-SC) afirma não ter sido possível identificar os responsáveis pelas inconsistências de R$ 20 bilhões nas contas da empresa.

No relatório protocolado nesta segunda (4), há quatro propostas legislativas e nenhum culpado. Para repercuti-lo, o parlamentar convidou jornalistas para conversar na sala da liderança do seu partido poucas horas antes de seu texto ser votado pela Comissão, marcada para começar logo após a oitiva da ex-diretora da varejista Anna Saicali, às 15h.

O relatório é extenso (338 páginas), mas não implica ninguém. Reconhece as fraudes, mas não é capaz de apontar os fraudadores. Em alguns momentos, indica que faltou tempo para conclusões mais profundas, mas também não explica por que a CPI não foi prorrogada.

De concreto, quatro proposições que sugerem alterações na legislação vigente.

Segundo o relator, é preciso:

1 – alterar a lei das sociedades anônimas para aprimorar a responsabilidade civil dos administradores, acionistas controladores e auditores independentes, bem como a divulgação de fatos relevantes e a devolução de bônus e vantagens indevidas;

2 – permitir que os auditores independentes tenham acesso às informações de crédito das empresas auditadas junto ao Banco Central do Brasil, para verificar a veracidade das operações de risco sacado e outras modalidades de crédito;

3 – tipificar o crime de infidelidade patrimonial, que consiste em desviar ou dilapidar o patrimônio de uma empresa em benefício próprio ou de terceiros, com pena de reclusão de dois a cinco anos e multa; e

4 – criar um sistema de proteção ao informante de boa-fé, que denuncie atos ilícitos praticados no âmbito das empresas, garantindo-lhe sigilo, segurança e indenização por eventuais danos.

Para cada um dos 4 pontos acima, um projeto de lei é sugerido.

Redação ICL Economia

Com informações da Folha de S. Paulo e do Brasil 247

 

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