No último dia 4 de novembro, a cidade de Nova Iorque — ainda a sede da farra financeira mundial — foi palco de um assassinato digno dos filmes mais elaborados de Hollywood. Brian Thompson, CEO da UnitedHealth, a maior seguradora de saúde dos Estados Unidos, foi executado à queima-roupa do lado de fora do luxuoso hotel Hilton, em Midtown Manhattan. O atirador-assassino, que aguardava pacientemente, disparou duas vezes pelas costas de Thompson, deixando mensagens aterradoras nas cápsulas das balas: “Delay”, “Deny”, “Depose” (atrasar, negar, destituir) — verbos que supostamente definiriam a estratégia da empresa de saúde em atrasar e negar cruel e sistematicamente as indenizações e coberturas aos seus clientes.
A UnitedHealth (que também opera no Brasil), com um valor de mercado de 566 bilhões de dólares, tem sido alvo de reiteradas críticas por negar um número surreal de pedidos de cobertura médica. Estimativas indicam que até 36% dos pedidos são rejeitados. A empresa negou um a cada três pedidos de cobertura realizados. Essa prática — detalhada pelo professor de Direito Jay Feinman no livro “Atrasar, negar, defender: por que as seguradoras não pagam indenizações e o que você pode fazer a respeito” — expõe a tática da indústria de seguros de saúde em priorizar os lucros em detrimento da saúde dos seus clientes. Ou seja, o óbvio ululante que a privatização da saúde realiza no mundo: matar milhares de pessoas e nunca pagar por esses crimes. O recado nas cápsulas das balas teria sido inspirado no livro de Feinman.
Em todo caso, Brian Thompson — também investigado por fraude financeira — estava em Nova Iorque para uma reunião com grandes investidores. A UnitedHealthcare teve 281 bilhões de dólares em receita em 2023, e Thompson aumentou os lucros anuais de 12 bilhões de dólares para 16 bilhões de dólares durante sua gestão. Ele recebeu mais de 10 milhões de dólares em compensação no ano passado. No fim das contas (e que contas!) estava lá para celebrar os resultados extraordinários da empresa, que superaram — mais uma vez — as expectativas previstas para o ano (parece um banco, não?). Sintomaticamente, o CEO da empresa mais rica do setor de saúde foi levado para um dos hospitais mais caros do mundo, o Mount Sinai West. O fato é que o centro de saúde dos mais caros do planeta não salvou o milionário, que foi declarado morto no mesmo hospital onde morreu John Lennon, assassinado em dezembro de 1980 por Mark Chapman. Ironicamente, nem mesmo o aparato de segurança mais caro do mundo — com drones, softwares, IAs, helicópteros e etc. e tal — conseguiu achar o atirador-vingador, que com uma simples máscara e uma singela bicicleta desapareceu nos arredores do Central Park, no coração de Nova Iorque. Teria sido tudo absolutamente premeditado e com a conivência de muitos daqueles que perderam seus entes queridos pela farra dos lucros da “indústria da saúde”?
Leitora, leitor, a regra parece ser bastante clara, a farra dos milionários/bilionários produz uma revolta generalizada em toda parte, esse pequeno grupo define os rumos do planeta e mata sistematicamente — e supostamente dentro da letra da lei — todos os seres do planeta, reduzindo a tudo e a todos aos seus caprichos mais sombrios. Não se trata de passar pano para assassinatos de qualquer tipo, mas de chamar a atenção para o óbvio: quem vai segurar a multidão de “condenados da terra” que, destituídos de seus direitos mais básicos como saúde, segurança e educação, virão sedentos de vingança diante de tanta dor e humilhação?
Contudo, uma amiga minha, bem pessimista, me disse que é mais provável que aconteça o seguinte: as empresas vão aumentar seu aparato de segurança, seus donos andarão nas ruas feito estadistas com mil guarda-costas, carros blindados e Hollywood fará uma nova série ou filme também lucrando com a dor alheia. Ao fim da constatação essa amiga ainda emendou uma frase que tem me assombrado desde então: “Nunca desejei a morte de um homem, mas li alguns obituários com grande prazer.”
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