Por Ana Carolina Amaral — Agência Pública
Depois de ceder à pressão da indústria e recuar em um posicionamento antiplásticos, o governo brasileiro passou a defender o banimento internacional de itens problemáticos e prepara reuniões interministeriais para consolidar sua posição até a próxima rodada de negociações sobre poluição plástica do Pnuma, o programa de meio ambiente da ONU.
Ainda no final da última rodada de negociações — que terminou, sem acordo, no dia 2, em Busan, na Coreia do Sul —, o Brasil aderiu a uma proposta apresentada por México e Suíça que inclui uma lista de produtos plásticos para eliminação gradual até um eventual banimento. A medida tem o apoio de outros 95 países.
O apoio brasileiro se deu dois dias após a reportagem da Agência Pública ter revelado que o Brasil havia desistido de apresentar sua própria proposta com uma lista de plásticos para banimento global.
O recuo havia sido pedido por um ex-secretário do governo Bolsonaro. Hoje no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Washington Bonini representou a pasta junto à delegação brasileira nas negociações sobre poluição plástica.
Ele admitiu à reportagem ter consultado a indústria petroquímica antes de se posicionar contra uma lista para banimento de plásticos problemáticos — são eles, principalmente, os plásticos de uso único, como embalagens, canudos, copos e talheres, além de cosméticos com microesferas plásticas e produtos com plástico oxibiodegradável.
A proposta que seria apresentada pelo Brasil e à qual a reportagem teve acesso incluía itens que não constam na proposta articulada pelo México e a Suíça, como copos e pratos descartáveis e filtros de cigarro com camada plástica.
Por outro lado, a lista apresentada pelos dois países sugere outros itens que complementariam a proposta brasileira, como os bastões plásticos de suporte a balões infantis. Ela também é mais abrangente ao incorporar os aditivos químicos contaminantes, que trazem riscos para a saúde. Entre eles estão os ftalatos, o chumbo, o cádmio e o bisfenol.
Largamente usadas na fabricação de plásticos, essas substâncias estão ligadas a disrupções endócrinas, cânceres, doenças cardiovasculares, danos neurológicos e nos rins, além de doenças crônicas e redução de fertilidade em homens e mulheres.
Questionado, o MDIC respondeu em nota que “não registra dissensos”. A pasta afirmou que “busca o equilíbrio entre os diferentes setores, com o objetivo de alcançar um instrumento abrangente e equilibrado e com a reafirmação de todos os compromissos ambientais”.
“O chamado de muitos países, de que foi porta-voz o México, pelo fortalecimento das medidas em relação a químicos de preocupação e a produtos plásticos considerados problemáticos, atende a essa posição [do Brasil] e, por esta razão, o país se juntou ao grupo”, afirmou o Itamaraty em nota.
Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) afirmou que adesão do país se deveu ao “diálogo construtivo” entres os órgãos do governo federal. A reportagem apurou que o alto escalão do MDIC e do MMA se reuniram em Brasília para realinhar a posição brasileira no final das negociações em Busan — que terminaram sem avanços, após bloqueios de países árabes e grandes produtores de petróleo. Os países devem voltar a negociar no próximo ano.
De volta a Brasília, a delegação programa reuniões interministeriais para consolidar a posição brasileira sobre o assunto. De acordo com o MMA, que tem puxado a agenda no governo, a pauta exige uma abordagem abrangente.
Em nota, a pasta afirmou que a discussão deve tratar “do ciclo de vida completo do plástico, em conformidade com a Estratégia Nacional de Economia Circular e a Política Nacional de Resíduos Sólidos”.
Políticas públicas contra o plástico
De acordo com negociadores da delegação brasileira, as políticas públicas em vigor no país devem servir como base mínima para a elaboração da posição que o país deve defender internacionalmente. Hoje, o Brasil conta com algumas regulamentações que restringem a aplicação de químicos perigosos à saúde, enquanto os plásticos problemáticos são alvo de um projeto de lei que tramita no Senado — o PL 2.524/22, que aguarda, desde março, o relatório da Comissão de Assuntos Econômicos da casa legislativa.
O lobby da indústria plástica, que marcou presença nas negociações em Busan através da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) e da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), também tem atuado em Brasília contra as listas de banimento de itens plásticos. De acordo com representantes do setor, faltam critérios científicos para determinar quais itens devem ser banidos.
Outra preocupação que baseia o argumento da indústria é com os impactos socioeconômicos da transição dos plásticos para materiais alternativos, como papel, vidro e alumínio.
De acordo com um estudo encomendado pelas ONGs ambientalistas Oceana e WWF e realizado pela consultoria Systemiq, a transição de plásticos descartáveis para outros materiais pode gerar, até 2040, a perda de 13 mil empregos diretos.
A projeção buscou calcular a diferença entre os empregos que seriam perdidos na indústria de plásticos e os que seriam criados em setores alternativos. Ao ampliar o escopo dessa conta, considerando também as mudanças nos empregos indiretos nessa transição, a diferença entre a perda no setor de plásticos e a geração de empregos em outros setores fica menor: seriam apenas mil empregos perdidos, entre diretos e indiretos.
Por outro lado, a análise também calcula um impacto positivo no valor econômico de mercado e no Produto Interno Bruto (PIB), com uma injeção de R$ 403 milhões na economia do país.
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