Por Murilo Pajolla — Repórter Brasil
A Siderúrgica Finlandesa Outokumpu deixou de comprar níquel da mina Onça Puma, administrada por uma subsidiária da mineradora Vale na região da Serra dos Carajás, no Sudeste Paraense. O fim da parceria comercial se deu em função das suspeitas de contaminação do rio Cateté por metais pesados. O curso d’água banha a Terra Indígena Xikrin do Rio Cateté, em Parauapebas, no Pará.
O fim dos laços comerciais é apontado no relatório “Em busca de justiça — relatório de monitoramento dos impactos da cadeia de valor da Outokumpu nos direitos humanos no Pará, Brasil” (em tradução livre do finlandês). O documento foi lançado no dia 3 de dezembro pela organização finlandesa Finnwatch, com apoio da Repórter Brasil. A Finnwatch monitora violações de direitos humanos em cadeias produtivas globais.
Em 2021, a Repórter Brasil e a Finnwatch publicaram uma investigação sobre os impactos socioambientais causados pelo empreendimento sobre os indígenas Xikrin. Entre os mais graves estão a contaminação do rio Cateté por metais pesados, que perdura até hoje, segundo indígenas e pesquisadores.
“A Outokumpu fez mudanças significativas no seu trabalho de responsabilidade em matéria de direitos humanos”, declarou Sonja Finér, diretora-executiva da Finnwatch. Para a organização, a estatal finlandesa implementou processos sistemáticos de responsabilidade socioambiental. Finér ainda destacou que “a Vale também deu passos adiante nesse sentido”.
Outras multinacionais europeias e asiáticas do setor de metais e siderurgia não seguiram o exemplo da Outokumpu e continuam comprando níquel da mina.
Em resposta ao relatório, a Vale nega ser responsável pela contaminação do rio Cateté, atribuindo à poluição a “mineralização natural” da região e ao despejo de agrotóxicos. A Vale Base Metals (VBM), subsidiária da Vale responsável pela mina, também declarou que considera a sua relação com os xikrins “saudável” e que acredita que esse sentimento é mútuo. Leia as respostas das empresas e relatório completo aqui.
Liga metálica abastece mercado global
Localizada no município de Ourilândia do Norte (PA), a mina Onça Puma produz níquel, usado para produção de aço inoxidável e baterias recarregáveis. A operação é controlada pela VBM, subsidiária da mineradora brasileira focada na produção de níquel e cobre. Entre os compradores da mina em 2023 estiveram multinacionais de países como Itália, Suécia, Grã-Bretanha, França e China.
Os Xikrin culpam a Vale pela contaminação por metais pesados do rio Cateté. O curso d’água já foi usado pelos cerca de 2 mil indígenas para consumo de água e pesca — o que já não acontece mais, segundo moradores.
“O rio está morto”, afirmou sob anonimato um indígena Xikrin ouvido para o relatório. “O rio era onde a gente bebia, pegava água e peixe para comer. Agora [por causa da poluição] não temos mais nada e não podemos fazer mais nada [no rio]”.
A batalha jurídica que envolve os Xikrin e a Vale se arrasta desde ao menos 2011. No início, os indígenas apontavam a falta de participação no processo de licenciamento ambiental da mina. Acordos judiciais garantiram pagamento de indenizações aos habitantes originários e resultaram no arquivamento das ações civis públicas. Uma ação judicial que Vale a papel do Vale no rio Cateté, porém, segue aberta.
Para a Finnwatch, a Vale e VBM devem cumprir com os princípios da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre empresas e direitos humanos, além de identificar e desenvolver políticas para gerenciar questões relacionadas a esse tema.
Pesquisadores contestam Vale
Para o Grupo de Tratamento de Minérios, Energia e Meio Ambiente (GTEMA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), “não se tem mais dúvidas quanto à responsabilidade do empreendimento Onça Puma na contribuição para a contaminação do Rio Cateté”.
Em estudo realizado em 2020, os pesquisadores da UFPA constataram que “100% dos indivíduos estão com seus organismos contaminados com pelo menos um metal pesado, em grau alarmante. Destaca-se o excesso de chumbo, mercúrio, manganês, alumínio e ferro, os quais em alguns indivíduos, estão em níveis assustadores”.
A Vale se baseia em um relatório encomendado pela Justiça em 2017 para argumentar que não foi possível estabelecer um nexo causal direto entre a mina e a poluição do rio.
A empresa diz ainda que monitora a qualidade da água no rio Cateté desde 2005 e admitiu que algumas medições indicaram concentrações de poluentes acima dos limites legais, mas atribuiu o fato às características minerais naturais da região.
Mudanças em modos de vida tradicionais
Com o rio contaminado, os relatos locais colhidos pela Repórter Brasil e pela Finnwatch apontam que os indígenas foram forçados a abandonar práticas tradicionais de pesca e caça, tornando-se dependentes de compensações financeiras da Vale para comprar alimentos industrializados. A mudança resultou no aumento da obesidade e da diabetes.
A Finnwatch recomendou que a Vale implemente a limpeza do rio Cateté com a participação ativa dos Xikrin e que melhore seus processos de consulta e transparência. Também reforçou serem necessários estudos complementares para constatar a causa da poluição do rio Cateté.
Organização reconhece mudanças da Vale
A organização finlandesa também reconheceu avanços na postura da Vale desde 2021, quando os impactos socioambientais foram revelados. “Em 2021, a Vale se recusou a comentar o conflito à Finnwatch. Agora, iniciou um longo diálogo conosco. Esperamos que o aumento da transparência da empresa e a ativação dos seus clientes ajudem a resolver as questões que afetam o destino dos Xikrin”, disse Sonja Finér.
O relatório também cobra ações mais efetivas do governo brasileiro na proteção dos direitos indígenas e maior engajamento da comunidade internacional na denúncia de abusos e na preservação do território e do modo de vida dos Xikrin.
“Os clientes da empresa devem incentivar a Vale/VBM a tomar medidas ativas para melhorar o Meio Ambiente e prevenir a poluição futura, e exigir relatórios públicos transparentes e compreensíveis sobre as medidas”, defendeu a Finnwatch.
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