ICL Notícias

É preciso compreendermos o passado para termos autonomia de pensar criticamente sobre o futuro. Pensando nisso e nas marcas que uma ditadura causa em todas as gerações da população do seu país, vamos entender o que é, como surgem e quais são as consequências das ditaduras militares que aconteceram no século XX e repercutem até hoje.

O que é uma ditadura militar?

Uma ditadura militar nada mais é do que um regime autoritário liderado por militares de um país. Por sua vez, os regimes militares têm sua própria receita de bolo: costumam ser marcados pelo golpe ao estado democrático, autoritarismo, repressão e censura, além do uso intensivo de propagandas institucionais que exaltam e enaltecem a figura do líder (ou instituição) no poder.

Mãe e filha protestam na Plaza de Mayo, em Buenos Aires. Imagem: Divulgação.

Mãe e filha protestam na Plaza de Mayo, em Buenos Aires. Imagem: Divulgação.

As principais características dos regimes militares

Em uma ditadura militar, os militares normalmente ascendem ao poder durante crises políticas, econômicas ou sociais e assumem funções que normalmente caberiam a líderes civis eleitos. Entre as principais características desse tipo de governo estão:

  • Autoritarismo com restrição às liberdades individuais e coletivas.
  • Repressão e censura de qualquer manifestação contrária ao regime são reprimidas.
  • Concentração de poder ao ter todo o poder político centralizado nas mãos de um líder (ou junta) militar.
  • Mudanças institucionais com o fechamento do Congresso, parlamentos, alterações constitucionais e pouca ou nenhuma participação da população nas tomadas de decisões.
  • Extrema violência marcada por prisões, torturas e assassinatos.
Manifestação brasileira contra a Ditadura de 64. Imagem: Arquivo Nacional. 

Manifestação brasileira contra a Ditadura de 64. Imagem: Arquivo Nacional.

Censura durante a história das Ditaduras Militares

Umas das armas usadas pelos regimes militares foi a censura aos seus opositores. Para impedir que qualquer tipo de mensagem contrária que diminuísse a credibilidade dos militares, e de sua então chamada “ação revolucionária”, pudesse chegar à população, as ditaduras militares pelo mundo tinham a mesma característica: censura extrema à todas as formas de comunicação, notícias, músicas e expressões artísticas.

Além da censura, as informações divulgadas também eram manipuladas e os responsáveis pelo governo, normalmente os militares das Forças Armadas, usavam boatos e fake news para justificar prisões, massacres ou ações violentas, por exemplo. Uma das justificativas mais recorrentes em regimes militares pelo mundo era o “combate ao comunismo” em prol da “preservação da ordem” e moralidade.

No Brasil, a censura da ditadura militar iniciada em 1964 começou com o AI-5 (Ato Institucional nº5) e teve, de início, diversas ações contra cantores, músicos e livros da época. Semelhante ao Brasil, os regimes militares do Chile, Argentina e Espanha, iniciados nos anos 1970, também tiveram músicos assassinados, artistas perseguidos, obras literárias queimadas e até filmes proibidos.

Mulheres protestando contra a censura artística no Brasil. Imagem: Arquivo Nacional

Mulheres protestando contra a censura artística no Brasil. Imagem: Arquivo Nacional

Repressão política durante a Ditadura Militar

A repressão política foi a principal ferramenta de silenciar vozes durante as ditaduras militares pelo mundo. Essa repressão, que acontecia por meio de prisões arbitrárias, tortura, desaparecimentos ou pessoas que eram “suicidadas”, tinha como objetivo primário consolidar ainda mais o poder dos ditadores e evitar que ideias “progressistas” chegassem à população.

Um exemplo disso foi a ditadura chilena de Pinochet que, durante os 17 anos de governo ditatorial, caracterizou-se pela opressão de partidos políticos e perseguição da oposição. Ao fim do regime militar, os números que resumiam a violência eram devastadores: 3 mil pessoas mortas ou desaparecidas, milhares torturados e quase 200 mil chilenos exilados.

Mulheres protestando contra o silêncio dos militares sobre o desaparecimento de políticos chilenos em 1987 durante a Ditadura Chilena. Imagem: Kena Lorenzini. 

Mulheres protestando contra o silêncio dos militares sobre o desaparecimento de políticos chilenos em 1987 durante a Ditadura Chilena. Imagem: Kena Lorenzini.

Objetivo dos militares durante a Ditadura Militar

Apesar do objetivo mudar dependendo do contexto histórico e do país inserido, existem características semelhantes em todas as ditaduras militares que indicam um mesmo objetivo: “restaurar a ordem do país”. É através desse pretexto que juntas militares pelo mundo, muitas vezes apoiadas pelos Estados Unidos, aplicaram golpes de estado e instauraram um regime militar baseado na violência, censura e opressão em países como Chile, Argentina e Brasil, por exemplo.

60 anos do golpe: Jango (a direita) e o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon. Foto: Arquivo Nacional 

60 anos do golpe: Jango (a direita) e o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon. Foto: Arquivo Nacional

Como governos democráticos se tornam ditaduras militares?

Entre as diversas causas para uma ditadura militar acontecer, é preciso entender que o processo não acontece – e nunca aconteceu – do dia para a noite. Geralmente, o processo de instauração de uma ditadura militar que será encabeçada por militares (normalmente as Forças Armadas), é marcado por diversas tentativas de golpe de Estado, ações violentas, repressão e intensa polarização política para chegar até a suspensão das garantias democráticas.

A suspensão das garantias democráticas é a fase final da ditadura porque é neste momento que acontece a ruptura dos direitos e liberdades assegurados pela Constituição do país. Entre esses direitos estão:

  • Direitos civis: liberdade de expressão, imprensa, reunião e associação;
  • Direitos políticos: direito ao voto, à fiscalização do governo e à participação de partidos políticos;
  • Direitos jurídicos: o simples direito a um julgamento justo, por exemplo;
  • Separação de poderes: divisão entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para evitar abusos.

Ou seja, uma vez que os militares tomam conta do governo, eles instauram os decretos de emergência. Esses decretos são as formas mais simples de justificar medidas emergenciais a partir da alegação de uma crise – política, econômica, social ou até ameaças à segurança nacional.

É neste momento que, antes mesmo que essas alegações sejam conferidas por órgãos reguladores (como a Organização das Nações Unidas, por exemplo), acontece a dissolução de instituições democráticas, a quebra dos Direitos Fundamentais, a violação da privacidade, a vigilância extrema e todo o restante já abordado.

Mais do que isso, é neste momento que acontece o enfraquecimento da sociedade como um dia conhecemos, o golpe de Estado é concluído e a repressão, violência e os abusos começam a acontecer. O governo agora são os militares e quem pensa diferente será aniquilado, simples assim.

Manifestação contra a Ditadura Militar em Mianmar (antiga Birmânia) em fevereiro de 2021. Foto: STR/AFP 

Manifestação contra a Ditadura Militar em Mianmar (antiga Birmânia) em fevereiro de 2021. Foto: STR/AFP

O papel do cidadão e das empresas durante ditaduras militares

Estudos recentes revelam que o apoio ao golpe e à ditadura militar brasileira, por exemplo, teve apoio de setores civis organizados, como empresários da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e empreiteiras. Em 1967, Delfim Netto é nomeado para o Ministério da Fazenda e a centralização das empreiteiras no poder fica cada vez mais clara para os historiadores. Foi nessa época que houve o “milagre econômico”, período marcado pelo alto investimento em obras como rodovias, hidrelétricas e tantas outras obras públicas que beneficiaram as empresas privadas que apoiavam  o golpe.

Porém, o famoso “milagre econômico” de milagre não tem nada. Houve sim um alto investimento em obras públicas, que gerou um avanço tecnológico no Brasil, mas baseado em endividamento coletivo. Os mais ricos, ficavam cada vez mais ricos, mas a base da pirâmide, os trabalhadores, foram sucateados com uma opressão desigual e sem direito às mobilizações por direitos visto as repressões da época, o que ocasionou perdas salariais e aumento no número de acidentes de trabalho.

Propagando durante a Ditadura Militar e o período do “milagre econômico”, entre 1968 e 1973. Imagem: divulgação pública. 

Propagando durante a Ditadura Militar e o período do “milagre econômico”, entre 1968 e 1973. Imagem: divulgação pública.

Exemplos de Ditaduras Militares ao redor do mundo

O século 20 foi marcado por diversas ditaduras militares em todas as regiões do mundo, impulsionadas por crises políticas, econômicas e sociais. Esses regimes possuem, em sua maioria, as mesmas características: golpes de Estado, autoritarismo, repressão, censura e graves violações de direitos humanos, frequentemente justificadas como medidas para “restaurar a ordem”, se é que a ordem precisava ser restaurada. Vamos entender alguns exemplos ao redor do mundo:

América Latina: Chile, Argentina e Brasil

As ditaduras militares marcaram o século 20 da América Latina, especialmente durante a Guerra Fria. No Chile, o golpe de 1973 foi liderado por Augusto Pinochet e instaurou uma ditadura de 17 anos caracterizada por repressão política, censura e desaparecimentos.

Na Argentina, entre 1976 e 1983, a ditadura eliminou opositores através da “guerra suja”, período em que mais de 30 mil pessoas desapareceram, enquanto o regime buscava eliminar o “subversivismo” – termo utilizado pela junta militar para justificar a repressão política na época.

No Brasil, o golpe militar de 64 foi marcado pela criação dos Atos Institucionais, censurando a imprensa, as artes e reprimindo opositores políticos enquanto promovia uma visão baseada no nacionalismo e a “luta anticomunista”. A violência e as consequências da ditadura brasileira reverberam até hoje, quando a lista de mortos e desaparecidos políticos ainda aumenta conforme a história é revelada.

Salvador Allende, presidente chileno que foi morto por militares durante o golpe de Estado. Imagem: Luis Orlando 

Salvador Allende, presidente chileno que foi morto por militares durante o golpe de Estado. Imagem: Luis Orlando

África: Uganda e Nigéria

A recente onda de golpes militares na África acende um alerta global. Desde 2020, países como Mali, Guiné, Burkina Faso, Níger e, em agosto de 2023, o Gabão, país rico em petróleo, foram vítimas da tomada de poder pelos militares. Mas a história ditatorial do continente não começou em 2020, entenda as duas principais e mais longas ditaduras militares da África:

Em 1971, Idi Amin tomou o poder da Uganda através de um golpe militar. Durante seu regime, mais de 300 mil pessoas foram mortas em perseguições étnicas ou execuções políticas. A violência exacerbada dessa ditadura militar foi a base do seu governo até 1979 quando foi deposto graças à união de países vizinhos com grupos opositores.

A Nigéria, entretanto, foi o país com maior tempo de ditadura militar intercalada por breves períodos democráticos do continente africano. O primeiro golpe militar aconteceu em 1966 e também foi caracterizado por repressão, corrupção e marginalização de grupos étnicos. O maior intervalo ditatorial sem brechas democráticas foi no governo do militar Sani Abacha entre 1993 e 1998 que, além da violência escancarada, também foi marcado pelo desvio de bilhões de dólares enquanto a população enfrentava a pobreza extrema.

Idi Amin e a população de Uganda após o golpe em 1971. Imagem: Reprodução.

Idi Amin e a população de Uganda após o golpe em 1971. Imagem: Reprodução.

Ásia: Mianmar

Assim como em todos os outros continentes que vimos até agora, a história da Ásia é marcada por regimes autoritários que, em diferentes períodos, tomaram o poder utilizando golpes militares, intervenções externas ou centralização política.

Essas ditaduras, que parecem que saíram de uma receita de bolo, também foram frequentemente justificadas como medidas para combater crises internas, manter a estabilidade ou promover um desenvolvimento econômico acelerado, mas na verdade foram a vitrine da extrema repressão, censura e violação dos direitos humanos.

A ditadura de Mianmar não é diferente, mas é curiosa: o país passou por um período de ditadura militar de 1962 a 2011, quando o general Ne Win liderou um golpe de Estado contra o governo democraticamente eleito. Diferente do que vimos até aqui, esse governo ficou conhecido como o “Caminho para o Socialismo” e houve uma grande nacionalização da economia, mas também isolamento e restrição de liberdades civis.

Foi através da pressão externa que a ditadura “acabou” em 2011, mas retornou em 2021. O “acabou” entre aspas é porque, apesar das votações partidárias e democráticas voltarem a acontecer em 2011, a eleição só era considerada válida se o partido apoiado pelos militares fosse eleito. Foi assim que em 2021 o país caiu novamente em um golpe de estado pelos militares. Aeleição “democrática” foi invalidada uma vez que os militares não concordaram com o resultado – a vitória da Liga Nacional pela Democracia (NLD).

Imigrantes protestam na Tailândia após a prisão de Aung San Suu, vencedora do Nobel da Paz. Imagem: AFP. 

Imigrantes protestam na Tailândia após a prisão de Aung San Suu, vencedora do Nobel da Paz. Imagem: AFP.

As ditaduras militares, independentemente de sua localização geográfica ou contexto histórico, apresentam as mesmas características: ascensão durante períodos de instabilidade, alta concentração de poder, repressão, censura e falsas justificativas que camuflam a violência sob o pretexto de ordem e progresso.

Porém, algo é fato: os danos provocados por esses regimes – tanto às sociedades quanto às instituições democráticas – atravessam gerações e marcam as memórias coletivas para que possamos evitar retrocessos. Compreender esses eventos é essencial para fortalecer o compromisso com sistemas políticos mais justos, transparentes e inclusivos, que priorizem o bem-estar coletivo em vez de interesses autoritários.

 

 

Deixe um comentário

Mais Lidas

Assine nossa newsletter
Receba nossos informativos diretamente em seu e-mail